
Os números não mentem — e às vezes doem. Uma análise recente do IBGE escancara o que muitos já sentiam na pele: em Campinas, a cor da pele determina quanto tempo você passa no trânsito. Sim, você leu certo.
Enquanto brancos levam em média 25 minutos para chegar ao trabalho, pretos e pardos enfrentam trajetos de 33 minutos diários. Esses oito minutos a mais podem parecer pouco no papel, mas multiplicados pelos dias úteis do ano, transformam-se em dezenas de horas anuais perdidas em ônibus, carros ou a pé.
Uma cidade dividida pelo tempo
O estudo, que analisou dados de 2022, revela padrões que vão muito além do trânsito caótico. Estamos falando de desigualdade territorial pura e simples. As populações pretas e pardas tendem a morar mais afastadas dos centros empresariais e industriais — herança histórica de um desenvolvimento urbano que, francamente, nunca foi igualitário.
E não é só isso. A diferença aparece também nos modos de transporte. Enquanto brancos têm maior acesso a carros particulares, pretos e pardos dependem mais do transporte público — que, convenhamos, em Campinas pode ser uma verdadeira loteria.
O peso dos minutos roubados
Pense bem: o que você faria com 40 horas extras por ano? — tempo suficiente para aprender um novo hobby, passar mais tempo com a família, ou simplesmente descansar. Essa é a realidade que o estudo revela: tempo é um privilégio racializado.
- 33 minutos: tempo médio de deslocamento para pretos e pardos
- 25 minutos: tempo médio para brancos
- 32% a mais de tempo gasto no trânsito
- Quase uma semana de trabalho extra por ano em deslocamento
E olha, isso não é acidente. É resultado de décadas — quiçá séculos — de políticas urbanas que, conscientemente ou não, perpetuam segregações. A periferia continua distante, o transporte público insuficiente, e o acesso à moradia central, um sonho distante para muitos.
Para além dos números
O que esses dados não mostram — mas qualquer morador de Campinas sabe — é o cansaço acumulado. O estresse de pegar dois, três ônibus lotados. A incerteza dos horários. O dinheiro que some no vale-transporte. Tudo isso forma uma barreira invisível, mas muito real, ao acesso a oportunidades.
É como se a cidade tivesse dois relógios: um para alguns, outro para outros. E enquanto discutimos mobilidade urbana, talvez devêssemos começar discutindo justiça temporal — porque tempo, no fim das contas, é a única moeda que realmente temos em comum.
Os dados estão aí, gritando. Resta saber se vamos ouvir.