Em meio à campanha Dezembro Laranja, dedicada à conscientização sobre o câncer de pele, um novo estudo científico coloca em discussão um tema que une comportamento e saúde: a possível relação entre tatuagens e o desenvolvimento de melanoma, o tipo mais agressivo de tumor cutâneo.
O que revelou a pesquisa sueca sobre tatuagens e melanoma
Realizado por pesquisadores da Universidade de Lund, em parceria com o Registro Nacional de Câncer da Suécia, o estudo analisou 2.880 casos. O país foi escolhido como cenário por ter quase metade de sua população tatuada. Entre os indivíduos diagnosticados com melanoma, aproximadamente 22% tinham tatuagens, enquanto no grupo de controle (pessoas sem a doença) essa taxa foi de cerca de 20%.
A partir dessa diferença, os autores do trabalho estimaram um risco relativo 29% maior de melanoma em pessoas com tatuagens. O estudo também observou um risco ligeiramente aumentado associado a tatuagens coloridas, mas ressalta que esse achado ainda precisa de confirmação em novas pesquisas.
Entendendo os limites: associação não é causa
É fundamental interpretar esses resultados com cautela. A médica dermatologista Paula Yume, especialista em cirurgia micrográfica de Mohs, explica que se trata de um estudo de associação, e não de causalidade. Isso significa que a pesquisa identificou uma coincidência estatística, mas não consegue provar que a tatuagem foi a causa direta do câncer.
Para avaliar causalidade, os cientistas usam os Critérios Epidemiológicos de Bradford Hill, que consideram fatores como temporalidade (a tatuagem veio antes do câncer?), plausibilidade biológica e relação dose-resposta. Neste estudo, vários desses critérios não foram solidamente atendidos.
A coincidência geográfica foi baixa: apenas em cerca de 30% dos casos o tumor surgiu no mesmo local da tatuagem. Além disso, não foi identificada uma relação dose-resposta clara – ter tatuagens maiores, mais sessões ou tatuagens há mais tempo não se traduziu em um aumento proporcional do risco.
Metodologia e pontos de atenção
A análise metodológica aponta algumas limitações importantes. O estudo teve um desenho retrospectivo, baseado em questionários e na memória dos participantes, o que pode introduzir vieses. A taxa de não resposta foi de cerca de 50%, o que também pode distorcer os resultados.
Outro ponto é que a pesquisa incluiu, entre os casos de melanoma, lesões chamadas de nevos com atipia grave. Embora essas pintas apresentem alterações e sejam tratadas com cautela, elas não são diagnosticadas como melanoma propriamente dito, o que pode ter influenciado os números finais.
Fatores de risco clássicos para a doença, como queimaduras solares na infância, não foram incluídos na análise principal. Os próprios autores relataram que, ao incorporar essa variável posteriormente, o risco observado aumentou.
Prevenção comprovada continua sendo a prioridade
Diante das evidências atuais, especialistas reforçam que o estudo serve como um ponto de partida para novas investigações, mas não sustenta mudanças na prática clínica ou recomendações populacionais contra a tatuagem.
O consenso científico continua apontando a radiação ultravioleta como o principal fator de risco evitável para o câncer de pele, incluindo o melanoma. O risco associado à alta exposição ao sol é descrito como até cinco vezes maior, muito acima do potencial risco observado no estudo sobre tatuagens.
As medidas de prevenção atestadas seguem sendo as mais eficazes:
- Uso diário de protetor solar.
- Uso de roupas, chapéus e óculos de proteção.
- Evitar a exposição solar nos horários de pico.
- Buscar sombra.
- Manter acompanhamento dermatológico regular.
Para pessoas com muitas pintas, pele clara ou histórico familiar de melanoma, o mapeamento fotográfico corporal com dermatoscopia digital é uma ferramenta valiosa para a detecção precoce.
Para quem já tem tatuagens, a recomendação é redobrar a atenção: proteger as áreas tatuadas do sol e observar atentamente qualquer alteração na pele ou no próprio desenho da tatuagem.
O Brasil deve registrar mais de 700 mil novos casos de câncer de pele no triênio de 2023 a 2025, segundo estimativas do INCA. Enquanto a ciência avança na compreensão de fatores como as tintas de tatuagem, que cerca de 30% dos brasileiros possuem, a informação e os cuidados preventivos continuam sendo os maiores aliados da saúde.