Uma estratégia inovadora de combate à dengue demonstrou resultados extraordinários na capital de Mato Grosso do Sul. Um estudo brasileiro, publicado na renomada revista científica The Lancet, comprovou que a liberação em massa de mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia reduziu os casos de dengue em mais de 60% em Campo Grande entre 2020 e 2024.
Política pública de sucesso contra arboviroses
Esta foi a primeira vez que a tecnologia foi implementada como uma política de saúde pública em larga escala pelo governo federal. A pesquisa acompanhou a cidade de dezembro de 2020 a dezembro de 2023, período no qual mais de 100 milhões de mosquitos portadores da Wolbachia foram soltos em todos os bairros. A bactéria, introduzida artificialmente nos insetos, impede que eles transmitam vírus como dengue, zika e chikungunya.
O médico infectologista Julio Croda, um dos coordenadores do estudo, classificou o resultado como extremamente promissor para a saúde pública. “Significa muito: uma redução de mais de 60% dos casos de dengue em 2024, associada à política pública de controle vetorial”, afirmou. Croda destacou que, pela primeira vez, a estratégia pôde ser testada integralmente em uma cidade e obteve sucesso, abrindo caminho para sua aplicação em outros municípios.
Como a bactéria Wolbachia atua no mosquito
A Wolbachia está presente naturalmente em mais de 60% dos insetos do mundo, mas não no Aedes aegypti. No método, cientistas introduzem a bactéria no mosquito em laboratório. Ela se estabelece no intestino do inseto e é passada para as próximas gerações, criando uma população de mosquitos incapaz de transmitir os vírus das arboviroses.
Em Campo Grande, fatores ambientais como temperatura e clima foram decisivos para o alto índice de sucesso. O estudo mostrou que 89% das áreas da cidade atingiram uma prevalência estável da bactéria, nível considerado suficiente para interromper surtos. A prevalência média final registrada foi de 86,4%.
Expansão nacional e destaque em meio a recorde de dengue
Os resultados positivos já impulsionam planos de expansão. O Ministério da Saúde pretende ampliar o acesso à tecnologia para outros municípios brasileiros. De acordo com Julio Croda, com uma nova fábrica de produção de mosquitos, a expectativa é que, em cinco anos, mais de 50% da população brasileira tenha acesso à ferramenta.
O sucesso em Campo Grande ganha ainda mais relevância diante do cenário nacional. Em 2024, o Brasil ultrapassou a marca histórica de 6 milhões de casos prováveis de dengue. Apesar disso, Campo Grande se destacou como a única capital do Centro-Oeste com menos de mil casos prováveis, um número compatível com a alta cobertura da Wolbachia.
Os próximos passos incluem o acompanhamento da cidade pelos próximos anos para avaliar a durabilidade da intervenção, a relação custo-benefício e o impacto também sobre zika e chikungunya. O estudo, financiado pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é considerado a evidência mais robusta já produzida no Brasil sobre a eficácia do método Wolbachia.