Estudo brasileiro testa microdoses de cannabis contra Alzheimer
Microdoses de cannabis em estudo para Alzheimer

Pesquisa brasileira investiga potencial das microdoses de cannabis no tratamento do Alzheimer

Um estudo brasileiro publicado no renomado Journal of Alzheimer's Disease traz uma nova perspectiva para o tratamento da Doença de Alzheimer. A pesquisa investigou os efeitos de microdoses de extrato de cannabis em pacientes com estágio leve da condição neurodegenerativa.

Com o envelhecimento da população mundial, o número de casos de demência, incluindo o Alzheimer, tem aumentado significativamente. A ausência de tratamentos curativos e a eficácia limitada das medicações disponíveis têm impulsionado a busca por novas abordagens terapêuticas, entre elas o uso de canabinoides derivados da planta Cannabis.

Metodologia inovadora com doses subpsicoativas

O estudo foi liderado pelo professor Francisney Nascimento e colaboradores da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Os pesquisadores recrutaram pacientes idosos com diagnóstico de Alzheimer leve e avaliaram os efeitos do uso diário de um extrato de cannabis contendo THC e CBD em concentrações extremamente baixas.

A escolha por microdoses não foi aleatória. Em 2017, pesquisas com camundongos já demonstravam que doses muito baixas de THC restauravam a cognição em animais idosos. Esses trabalhos anteriores mostraram que o sistema endocanabinoide, crucial para a homeostase e plasticidade neural, sofre declínio natural com o envelhecimento.

Inspirados por essas descobertas e por um relato de caso publicado em 2022 pelo mesmo grupo brasileiro, os autores avançaram com um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo em voluntários humanos.

Resultados promissores após 24 semanas

A principal medida de resultado foi a escala ADAS-Cog, amplamente utilizada para avaliar a função cognitiva em pacientes com demência. Os resultados mostraram que, após 24 semanas de tratamento, o grupo que recebeu o extrato com THC apresentou estabilização dos escores, enquanto o grupo placebo teve piora.

A diferença, embora restrita a apenas uma das subescalas avaliadas e observada apenas no acompanhamento de longo prazo, mostrou-se estatisticamente significativa. O impacto foi modesto, mas relevante, especialmente considerando que em pacientes com função cognitiva ainda preservada, grandes mudanças em poucas semanas seriam irrealistas.

A verdadeira contribuição do estudo pode estar em sugerir que as microdoses podem ter um papel preventivo, funcionando como uma suplementação que protege o cérebro do declínio associado à idade.

Novo paradigma: benefícios sem o "barato"

O maior obstáculo à aceitação da cannabis como ferramenta terapêutica no envelhecimento cerebral pode não ser científico, mas cultural. O receio de "ficar chapado" afasta muitos pacientes e profissionais de saúde.

Este estudo demonstra que é possível contornar esse problema utilizando doses tão baixas que não provocam alterações perceptíveis de consciência, mas que ainda podem modular sistemas biológicos importantes como a inflamação e a neuroplasticidade.

As microdoses de cannabis podem escapar da zona de psicoatividade e, ainda assim, entregar benefícios terapêuticos. Isso abre portas para novas formulações com foco em prevenção, especialmente em populações mais vulneráveis como idosos com comprometimento cognitivo leve ou histórico familiar de demência.

O trabalho representa um passo inédito: é o primeiro ensaio clínico a testar com sucesso a abordagem de microdoses em pacientes com Alzheimer. Para avançarmos, serão necessários novos estudos com maior número de participantes, tempo de seguimento mais longo e combinação com marcadores biológicos.

A pergunta fundamental - se a cannabis pode prevenir o Alzheimer - ainda permanece no ar, mas este estudo brasileiro dá um passo importante na busca por respostas.