O silêncio em torno da vida sexual e da prevenção de infecções entre pessoas com 50 anos ou mais está se revelando um perigoso fator de risco para a saúde pública. Dados oficiais mostram um aumento alarmante de novos casos de HIV nessa faixa etária, colocando em evidência a urgência de se quebrar tabus e ampliar a conscientização.
Cenário alarmante: salto de 57% em uma década
De acordo com o Boletim Epidemiológico HIV e Aids 2025, do Ministério da Saúde, as notificações de infecções inéditas pelo vírus em indivíduos com 50 anos ou mais registraram um crescimento expressivo. Entre 2014 e 2024, os casos passaram de 2.768 para 4.355, representando um aumento de 57%.
Esse dado não apenas confirma que o interesse pela atividade sexual permanece na maturidade, mas também sinaliza uma mudança no perfil da epidemia no Brasil. Especialistas apontam que estamos diante de um envelhecimento da epidemia de HIV, influenciado por fatores como o aumento da expectativa de vida, o uso de medicamentos para disfunção erétil e a ampliação do período de vida sexual ativa.
Tabus e diagnóstico tardio: uma combinação perigosa
Na prática clínica, os profissionais de saúde se deparam com várias barreiras que dificultam a prevenção e o diagnóstico precoce nessa população. É comum pacientes relatarem que nunca usaram preservativo ao longo da vida ou que negligenciam a realização de exames, muitas vezes por acreditarem que o risco não existe em relacionamentos monogâmicos estáveis.
"Há uma crença equivocada de que o HIV é um problema dos 'outros', dos jovens, e não uma preocupação para quem já passou dos 50", explica a infectologista Marlí Sasaki, do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) de São Paulo. Além da desinformação, o chamado duplo estigma – ser idoso e viver com HIV – afasta muitas pessoas dos consultórios, atrasando o início do tratamento e prejudicando a qualidade de vida.
Os sintomas iniciais da infecção, que podem incluir fadiga e mal-estar, muitas vezes são confundidos com sinais naturais do envelhecimento, contribuindo para que o diagnóstico só ocorra em fases mais avançadas.
Consequências para a saúde e a necessidade de um cuidado integral
Mesmo controlável com os medicamentos atuais, o HIV provoca uma inflamação crônica no organismo, acelerando o processo de envelhecimento e aumentando o risco para uma série de comorbidades. Pessoas vivendo com o vírus têm maior propensão a desenvolver doenças cardiovasculares, diabetes, problemas renais, ósseos e no sistema nervoso central.
Por esse motivo, na prática clínica, considera-se que uma pessoa com HIV entra na fase da velhice mais cedo, a partir dos 50 anos. O acompanhamento dessa população é complexo e exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo conhecimentos de infectologia, cardiologia, endocrinologia e outras especialidades, além de atenção às interações medicamentosas e ao calendário vacinal.
Estratégias para reverter a tendência
Para enfrentar esse cenário, é fundamental uma ação coordenada que combine informação, acesso e acolhimento. As principais frentes de atuação incluem:
- Desmistificar a sexualidade na maturidade: Promover campanhas que falem abertamente sobre sexo, prazer e prevenção para o público acima de 50 anos.
- Incentivar a testagem regular: Romper a ideia de que o teste de HIV é necessário apenas para populações específicas, destacando sua importância como cuidado de saúde rotineiro.
- Facilitar o diálogo: Encorajar conversas francas com parceiros sexuais e profissionais de saúde sobre histórico sexual e métodos de prevenção.
- Combater o estigma: Criar ambientes de saúde acolhedores, onde a pessoa se sinta segura para buscar diagnóstico e tratamento sem medo de discriminação.
É crucial disseminar a informação de que, com o tratamento adequado, é possível atingir a carga viral indetectável, estado em que o vírus não é transmitido por via sexual. A combinação de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento eficaz é o caminho para melhorar a qualidade de vida e interromper a cadeia de transmissão do HIV, em todas as faixas etárias.