Uma pesquisa apresentada no congresso anual da Sociedade Radiológica da América do Norte trouxe um alerta importante: a gordura concentrada na região do abdômen, popularmente conhecida como "barriga de chopp", provoca alterações mais severas na estrutura do coração do que o Índice de Massa Corporal (IMC) considerado de forma isolada.
O perigo específico da gordura visceral
A obesidade já é um fator de risco bem estabelecido para problemas cardíacos. A médica radiologista Jennifer Erley, autora do estudo e residente no Centro Médico Universitário de Hamburgo-Eppendorf, na Alemanha, fez uma declaração contundente. Ela afirmou que o excesso de peso "está prestes a substituir o tabagismo em termos de custo e consequências para a saúde" do coração.
Dentro dos riscos da obesidade, a gordura abdominal já era reconhecida como particularmente nociva, associada a desfechos mais graves. O novo estudo, porém, investigou especificamente como essa gordura localizada altera a anatomia do coração, o que pode comprometer seu funcionamento.
Como o estudo foi realizado e suas principais descobertas
A pesquisa analisou dados de 2.244 adultos saudáveis, com idades entre 46 e 78 anos, residentes em Hamburgo, na Alemanha. Todos passaram por ressonâncias magnéticas cardíacas e tiveram seu IMC e circunferência cintura-quadril medidos.
Os resultados mostraram que um IMC elevado tende a aumentar o tamanho geral do coração, tanto em massa quanto em volume. No entanto, quando os cientistas isolaram o efeito da gordura abdominal, encontraram um padrão diferente e mais preocupante.
Nesse caso, houve um aumento na massa dos ventrículos (as câmaras que bombeiam sangue), mas o volume interno do coração não cresceu na mesma proporção. "Assim, o músculo cardíaco engrossa, mas os volumes não aumentam proporcionalmente", explicou Jennifer Erley.
Essa mudança estrutural é perigosa porque pode reduzir a capacidade do coração de se encher de sangue e bombeá-lo eficientemente para o corpo. Além disso, prejudica o relaxamento adequado do órgão, um caminho que pode levar à insuficiência cardíaca.
Homens são mais afetados que mulheres
O estudo também descobriu uma diferença significativa relacionada ao sexo. Nos homens, um maior índice de gordura abdominal levou a um aumento ainda mais expressivo da massa cardíaca, especialmente no ventrículo direito, sem a devida expansão de volume. Nas mulheres, essa relação foi menos intensa.
Segundo Erley, o hormônio estrogênio pode ser a chave para entender essa disparidade. "As mulheres, antes da menopausa, têm um efeito protetor devido ao estrogênio", disse ela à Folha de S.Paulo. O hormônio tem efeitos positivos no metabolismo, na distribuição de gordura e propriedades anti-inflamatórias.
Após a menopausa, com a queda do estrogênio, as mulheres também desenvolvem gordura visceral, mas o coração delas fica exposto a esse risco por menos tempo do que o dos homens, que geralmente acumulam essa gordura mais cedo na vida.
Como o impacto negativo nos homens é mais forte no ventrículo direito – responsável por enviar sangue aos pulmões –, os pesquisadores alertam que a gordura abdominal pode afetar especialmente a função respiratória e a pressão pulmonar.
O estudo reforça a necessidade de monitorar a circunferência da cintura, principalmente para o público masculino, que está em maior risco. No entanto, as mulheres não estão imunes. "As mulheres também correm o risco de sofrer os efeitos da gordura no coração após a menopausa, mesmo que em menor grau", concluiu a pesquisadora.