Durante a cúpula do Mercosul realizada em Foz do Iguaçu (PR) no sábado, 20 de dezembro de 2025, um grupo de países do bloco, sob a liderança da Argentina, divulgou um comunicado conjunto expressando preocupação com a situação na Venezuela. O documento, que pede o restabelecimento da democracia e o respeito aos direitos humanos no país caribenho, não foi assinado pelo Brasil, que presidia a reunião, nem pelo Uruguai.
Posicionamento brasileiro e temor de escalada militar
A decisão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não endossar a declaração foi estratégica. Segundo avaliação do Palácio do Planalto, a assinatura do Mercosul em um texto desse teor poderia ser interpretada pelos Estados Unidos como um aval a uma eventual ação militar norte-americana contra a Venezuela, um cenário que o Brasil rejeita.
O comunicado, assinado à margem do encontro, evitou mencionar explicitamente a crescente tensão entre Washington e Caracas ou o aumento da presença militar dos EUA na região do Caribe. Para o Planalto, essa omissão era problemática. A visão é que não faz sentido aprovar uma declaração que fala em resolver um problema político sem reconhecer a ameaça de uma solução militar em curso.
Conteúdo do comunicado e signatários
O documento foi emitido em nome dos presidentes da Argentina, Javier Milei; do Paraguai, Santiago Peña; e do Panamá, José Raúl Mulino. Autoridades de alto escalão da Bolívia, Equador e Peru também subscreveram a carta.
No texto, os signatários expressaram profunda preocupação com a grave crise migratória, humanitária e social na Venezuela, país que está suspenso do bloco sul-americano desde 2017 por ruptura da ordem democrática. Eles reafirmaram o compromisso com a restauração pacífica da democracia e o respeito aos direitos humanos, além de pedirem a libertação de presos políticos.
Os países ainda ratificaram a validade do Protocolo de Ushuaia – que trata dos compromissos democráticos dos membros do Mercosul – e reiteraram a articulação de mecanismos para a defesa da democracia.
Contexto internacional e discursos divergentes
O pano de fundo da discussão é a política agressiva do governo do presidente Donald Trump contra o regime de Nicolás Maduro, no poder desde 2013. Os Estados Unidos não reconhecem Maduro como líder legítimo e vêm realizando operações militares, incluindo o bombardeio de embarcações e a apreensão de navios petroleiros, sob a justificativa de combater rotas de narcotráfico.
Maduro, por sua vez, acusa os EUA de cobiçar as riquezas petrolíferas da Venezuela – um dos maiores produtores do planeta – e de usar o reforço militar para tentar derrubá-lo do poder, o que poderia causar uma asfixia financeira ao país.
Os discursos na cúpula refletiram essa divisão. O presidente argentino, Javier Milei, chamou Maduro de "narcoterrorista" e elogiou as ações militares norte-americanas, dizendo que "o tempo da timidez nesta questão já passou".
Já o presidente Lula, que na quinta-feira (18) informou ter mantido conversas telefônicas com ambos Maduro e Trump em busca de uma solução diplomática, foi enfático em seu alerta durante o discurso. Ele afirmou que uma intervenção na Venezuela geraria uma catástrofe humanitária e um precedente perigoso para o mundo. "Passadas mais de quatro décadas desde a Guerra das Malvinas, o continente sul-americano volta a ser assombrado pela presença militar de uma potência extrarregional. Os limites do direito internacional estão sendo testados", declarou Lula aos demais líderes.
O presidente brasileiro também não reconheceu oficialmente a vitória de Nicolás Maduro nas eleições de julho de 2024, mas seu governo tem mantido uma postura cautelosa, priorizando a via diplomática e evitando gestos que possam inflamar ainda mais o conflito.