Desinformação sobre autismo cresce 15.000% na América Latina
Desinformação sobre autismo aumenta 15.000%

Uma epidemia silenciosa de desinformação sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) avança pelas redes sociais na América Latina. Um estudo inédito revela que o volume de informações falsas sobre autismo aumentou impressionantes 15.000% desde o início da pandemia de Covid-19, colocando em risco a segurança e dignidade de pessoas autistas e suas famílias.

Brasil lidera ranking da desinformação

A pesquisa realizada pela Autistas Brasil em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DesinfoPop/FGV) analisou 58,5 milhões de mensagens trocadas entre 5,3 milhões de usuários em 1.659 grupos e canais conspiratórios no Telegram entre 2015 e 2025.

Dentro desse universo digital, foram identificadas 47 mil publicações falando diretamente sobre autismo, que acumularam quase 100 milhões de visualizações. O Brasil emerge como o principal epicentro dessa crise informacional, sendo responsável por 48% de toda a desinformação circulante na região.

"Estamos diante de uma epidemia silenciosa de desinformação", alerta Guilherme de Almeida, presidente da Autistas Brasil. "A cada nova teoria sem base científica, o que está em jogo não é apenas a verdade, mas a segurança e a dignidade das pessoas autistas e de seus familiares."

Falsas causas e curas milagrosas

Os pesquisadores catalogaram 150 causas infundadas e 150 promessas de cura sem qualquer respaldo científico associadas ao autismo. Entre as supostas origens apontadas nos grupos analisados estão desde o uso de 5G, Wi-Fi e micro-ondas até o consumo de salgadinhos como Doritos, passando pela presença de "parasitas" no corpo e a inversão do campo magnético da Terra.

Entre as falsas curas identificadas, circulam práticas perigosas e potencialmente criminosas. Destaque para:

  • Dióxido de cloro (CDS ou MMS): substância química usada para limpeza industrial que, ingerida, pode causar queimaduras e intoxicações graves
  • Ozonioterapia: aplicação de ozônio por vias como o reto ou sangue, com risco de inflamações e embolias
  • "Eletrochoque de Tesla": uso caseiro de descargas elétricas vendido ilegalmente como terapia "vibracional"
  • Prata coloidal: solução metálica que pode se acumular nos tecidos e causar danos neurológicos e hepáticos
  • Azul de metileno: corante químico que, fora do ambiente hospitalar, traz risco de toxicidade

Mercado da desinformação e novas diretrizes

Segundo Almeida, há um verdadeiro mercado da desinformação que explora o medo e a expectativa de pais e cuidadores com fins lucrativos. "Essas falsas promessas, muitas vezes apresentados como 'a solução que médicos não querem que você saiba', se transformam em produtos, cursos, terapias milagrosas e suplementos sem comprovação", explica.

Em resposta a essa onda de desinformação, a Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) divulgou em outubro uma nova versão do documento "Recomendações e Orientações para o Diagnóstico, Investigação e Abordagem Terapêutica do Transtorno do Espectro Autista (TEA)".

"Vivemos uma era de desinformação em saúde, e o TEA talvez seja um dos temas mais afetados", explica o neurologista Marcelo Masrula, ex-presidente da SBNI. "As redes sociais amplificam práticas sem base científica, de dietas restritivas a terapias 'milagrosas'. O objetivo do documento é deixar muito claro o que tem comprovação, o que ainda está em estudo e o que simplesmente não deve ser recomendado."

O neurologista Van der Linden, membro do Departamento Científico de Transtornos de Neurodesenvolvimento da SBNI, alerta sobre os riscos dessas práticas: "Quando uma família aposta em uma terapia sem eficácia comprovada, ela não apenas gasta recursos, mas perde tempo precioso de intervenção eficaz, o que pode comprometer o desenvolvimento da criança".

O estudo serve como um alerta urgente sobre a necessidade de políticas públicas e responsabilidade das plataformas digitais para combater essa epidemia de desinformação que coloca vidas em risco.