Figura controversa da história luso-brasileira ganha nova luz
A história guarda personagens complexos que desafiam classificações simplistas entre bem e mal. Entre essas figuras ambíguas está Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido como Marquês de Pombal (1699-1782), cuja atuação em Portugal ecoou profundamente no Brasil Colônia.
Durante seu apogeu político, tornou-se difícil discernir quem realmente governava Portugal - se era dom José I, o rei, ou o próprio marquês, que sussurrava conselhos nos ouvidos do monarca. Homem de grande astúcia, Pombal soube como ninguém conquistar e manter o poder no reino português.
Manuscrito histórico resgatado das chamas
Em 2010, um incêndio no Mosteiro de São Bento, em Salvador, revelou um tesouro histórico: um manuscrito até então desconhecido que lança nova perspectiva sobre a trajetória do Marquês de Pombal. Os filólogos Rafael Magalhães e Alícia Lose, da Universidade Federal da Bahia, dedicaram anos à investigação desse material inédito.
"Não tínhamos ideia do ineditismo do material, um relato com tamanha riqueza e precisão de detalhes", confessou Rafael à VEJA. A pesquisa minuciosa identificou o autor como José de Mendonça, reitor da Universidade de Coimbra que se tornaria cardeal-patriarca de Lisboa durante o período pombalino.
O documento, agora publicado integralmente em Portugal sob o título "Primeira Biografia de Marquês de Pombal", ainda aguarda edição brasileira. A obra descreve com cores vivas como o marquês, embora reconhecido por seus méritos, envolvia-se em tramas pouco nobres.
Métodos questionáveis e legado duradouro
Segundo o manuscrito, Pombal mantinha-se no poder há 26 anos e seis meses com autoridade tão absoluta que "mais parecia rei do que empregado", nas palavras do cardeal Mendonça. Para eliminar opositores, não hesitava em usar métodos repressivos que atingiam tanto culpados quanto inocentes.
Entre os casos revelados está o suplício do artista João Batista Pele, injustamente condenado por tentativa de assassinato do marquês e esquartejado em praça pública por ordem direta de Pombal. A família Távoras, uma das mais importantes da nobreza portuguesa, também foi executada após ser acusada de atentar contra a vida de dom José I - com o marquês apropriando-se posteriormente de suas propriedades.
Apesar dos métodos controversos, Pombal trouxe transformações significativas para Portugal. Influenciado pelo Iluminismo francês, promoveu a modernização do país, reduziu o poder do clero e da nobreza, e após o terremoto de 1755, reformou profundamente o sistema educacional português, dando caráter secular à Universidade de Coimbra.
Conexões brasileiras e queda do poder
No Brasil, sua influência foi marcante: expulsou os jesuítas do território colonial, estabeleceu o primeiro sistema de ensino público e permitiu a produção local de têxteis. Porém, também impôs impostos elevados sobre a extração de ouro em Minas Gerais, alimentando ressentimentos que contribuíram para o embrião da Inconfidência Mineira em 1789.
O historiador Pedro Sena-Lino enquadrou o marquês na expressão "mata, mas faz", enquanto Paulo Rezzutti afirma que, "apesar de tantas polêmicas, Pombal é uma figura incontornável da história brasileira".
O fim do reinado de Pombal chegou em 1777, com a morte de dom José I. Sob o governo da rainha Maria I, devota fervorosa da Igreja, o marquês perdeu todos os cargos e títulos honoríficos, foi exilado e caiu em desgraça. Mesmo assim, séculos depois, sua figura controversa continua a fascinar e dividir opiniões.