O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Manuel Palacios, concedeu entrevista exclusiva ao g1 e ao Jornal Nacional nesta terça-feira (25) para explicar a polêmica decisão de anular apenas três questões do Enem 2025. A medida foi tomada mesmo diante de evidências de que pelo menos oito perguntas muito semelhantes às da prova haviam sido divulgadas antecipadamente pelo estudante de medicina Edcley Teixeira.
Justificativas do Inep para anulação limitada
Em sua defesa, Palacios apresentou três argumentos principais. O primeiro foi a "contingência" - a anulação limitada ocorreu em meio a incertezas, quando o Inep ainda não tinha clareza sobre o alcance total das divulgações prévias e optou por uma medida imediata.
O segundo ponto destacado pelo presidente foi sobre as "semelhanças" identificadas pela equipe técnica. Segundo Palacios, houve identificação de similaridades, mas não equivalência total entre os itens, e ele afirma que nenhuma questão idêntica apareceu no material divulgado por Edcley.
O terceiro e mais polêmico argumento foi que a exposição prévia não alteraria o desempenho dos candidatos. O Inep avalia que o impacto não seria estatisticamente relevante considerando o volume de questões que os participantes resolvem ao longo de sua preparação.
Esquema de vazamento descoberto pela reportagem
Investigações jornalísticas revelaram que Edcley Teixeira, de Sobral (CE), expôs conteúdos em lives, apostilas e grupos de WhatsApp com até 8 meses de antecedência em relação à avaliação do Enem 2025.
O estudante havia descoberto que o Prêmio Capes de Talento Universitário, concurso voltado para alunos do primeiro ano da graduação, servia como um "pré-teste" para o banco de questões do Enem. Ele então montou um esquema onde:
- Pagava um mínimo de R$ 10 por cada questão que universitários memorizassem
- Montava um "banco de itens" com essas perguntas
- Vendia o conteúdo em pacotes de "mentoria" para estudantes
O caso está sendo investigado pela Polícia Federal, que apura a extensão do esquema e possíveis responsabilidades.
Comparação entre questões vazadas e aplicadas
A reportagem teve acesso a material que comprova a semelhança entre as questões divulgadas por Edcley e as que efetivamente caíram no Enem 2025. Entre os exemplos estão:
Questão sobre fotossíntese - Foi uma das três anuladas pelo Inep. A versão de Edcley e a aplicada no Enem apresentavam estruturas muito similares.
Questão sobre espécies - Permanece válida, apesar das evidentes semelhanças entre a versão antecipada e a questão da prova.
Questão sobre grito - Também anulada, mostrava correspondência quase integral com o material divulgado previamente.
Questão sobre desvio padrão - Continua válida, mesmo com similaridades significativas.
Outras questões envolvendo parcelamento de R$ 60 mil, tijolos, probabilidade no lançamento de dados e solução com concentração de 99,90% completam a lista de oito itens com acesso prévio identificados pela investigação.
Posicionamento firme do Inep
Mesmo diante das comprovações, o Inep mantém sua decisão de não anular nenhuma outra questão além das três canceladas em 18 de novembro. Palacios foi enfático ao afirmar que "esse pacote de perguntas não existe" em referência ao material vendido por Edcley.
O presidente explicou que entre 4 mil e 5 mil questões são colocadas em pré-teste nos últimos anos, e que essas questões "não estão presentes em nenhuma dessas apostilas de forma representativa".
Questionado se o Inep teria desistido de anular as questões caso tivesse aguardado por mais tempo, Palacios respondeu que "a gente lida com circunstâncias da forma como elas aparecem".
O caso continua em investigação e deve gerar mais desdobramentos nos próximos dias, especialmente com a atuação da Polícia Federal no desvendamento completo do esquema.