Escola em Belém ganha mural com Letra Decorativa Amazônica feita por alunos
Alunos pintam mural com letra ribeirinha em escola de Belém

A Escola Estadual Jarbas Passarinho, localizada no bairro do Marco, em Belém, agora abriga um pedaço vivo da Amazônia em suas paredes. Nesta sexta-feira, 19 de abril, a instituição recebeu oficialmente um mural pintado à mão, fruto de uma oficina que uniu estudantes e mestres abridores de letras, guardiões de uma tradição centenária da região.

Oficina une tradição ribeirinha e ambiente escolar

A atividade foi conduzida pelo Instituto Letras que Flutuam e mobilizou alunos do ensino fundamental II e do ensino médio. Ao longo de vários dias, os participantes vivenciaram todo o processo criativo: desde a medição do muro e a criação de propostas de layout até a votação coletiva do desenho final e a divisão de tarefas para a pintura. O mural foi finalizado na quarta-feira, 18 de abril.

A professora de artes visuais Simone Moura, que articulou a parceria, destacou o grande interesse dos jovens. "A gente tem um público de adolescentes e jovens que se interessou muito por participar", contou. Ela observou que o projeto atraiu desde alunos que já desenham e pintam, até grupos que praticam grafite e estudantes mais ligados à leitura.

A oficina teve como objetivo central apresentar aos estudantes o ofício dos abridores de letras. Esses artistas populares são responsáveis por pintar manualmente, com cores, sombras e curvas únicas, os nomes e identidades visuais dos barcos que navegam pelos rios, igarapés e furos da Amazônia. Uma tradição que surgiu por volta da década de 1930 e se consolidou nos anos 1960, quando a identificação das embarcações tornou-se obrigatória.

Um patrimônio visual que completa um século

Em 2025, a Letra Decorativa Amazônica completará 100 anos, sendo reconhecida como um dos patrimônios visuais mais marcantes da cultura regional. Para a pesquisadora e presidente do Instituto Letras que Flutuam, Fernanda Martins, levar essa tradição para o muro da escola é um ato de reconhecimento e continuidade.

"A letra ribeirinha é tão estruturante para a Amazônia quanto a música, a dança ou a comida. Ela expressa território, memória e identidade", afirmou Fernanda. "Quando os estudantes aprendem esse alfabeto, eles aprendem também a olhar para a Amazônia a partir de seus próprios códigos visuais."

Entre os mestres que guiaram as mãos dos alunos estava Odir Lima Abreu, um experiente abridor de letras de Soure, no arquipélago do Marajó. Ele atuou ao lado do filho, Alessandro Abreu, exemplificando a transmissão prática desse conhecimento de geração em geração.

Mais do que tinta: pertencimento e valorização cultural

Para a professora Simone, o ganho vai além da técnica. A parceria permitiu o acesso a um patrimônio cultural ribeirinho do estado do Pará. "Conhecer esse saber-fazer e entender que existe um procedimento, uma construção, reforça o que a gente trabalha em sala de aula: a valorização do saber científico e do saber popular", explicou.

Ela também ressaltou que a experiência ajuda a combater a apropriação inadequada da estética ribeirinha. "A gente percebe o quanto essa letra tem sido apropriada e utilizada inadequadamente. Quando o estudante aprende, ele aprende com origem e com processo", disse.

O mural transformou a relação dos alunos com o espaço da escola. "A escola não é algo apenas feito pelo outro. Quando os abridores de letras junto com os alunos fazem essa pintura, fica registrado algo criado com eles", afirmou Simone. "Isso oferece pertencimento: o prazer de estar nesse lugar, de levar os familiares e dizer 'eu participei, eu ajudei a pintar esse painel'."

Com a obra concluída, o muro da Escola Jarbas Passarinho guarda agora muito mais que uma imagem colorida. Ele testemunha um encontro significativo entre a cidade e o rio, entre a educação formal e um ofício tradicional que, com cores e traços, continua a escrever a história da Amazônia – agora também no coração do bairro do Marco, em Belém.