
Quase três décadas se passaram, mas as lembranças permanecem vivas como se fosse ontem. Um homem que sobreviveu ao que ficou conhecido como o Massacre do Carandiru decidiu enfrentar o poder público em uma batalha judicial que vai muito além do aspecto financeiro.
Ele processa o governo de São Paulo por tortura e danos morais — e carrega nas costas o peso de ter testemunhado o que poucos imaginariam possível dentro de um sistema que deveria, em tese, recuperar pessoas.
O dia que nunca terminou
Era 2 de outubro de 1992. Uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, terminaria de forma trágica. A intervenção policial resultou na morte de 111 detentos. O que se seguiu foi um banho de sangue que manchou a história brasileira.
Mas e os que sobreviveram? O processo em questão joga luz justamente sobre isso. O sobrevivente, cuja identidade permanece preservada nos autos, alega ter sido submetido a tratamentos cruéis durante e após a ação policial. Não se trata apenas do trauma psicológico — há relatos de violência física que deixaram marcas permanentes.
Memórias que doem
"Às vezes acordo no meio da noite achando que ainda estou lá", confessa o autor da ação em um trecho dos documentos. Essa frase, tão simples, esconde uma dor que não conhece limites temporais. O processo judicial busca algo que o tempo não foi capaz de oferecer: o reconhecimento oficial do sofrimento imposto.
Os advogados argumentam que o Estado falhou duplamente: primeiro ao permitir que a situação chegasse a esse extremo, depois ao não oferecer assistência adequada aos sobreviventes. É como se tivessem sido punidos duas vezes pela mesma falha do sistema.
Um processo com sabor de justiça tardia
O que move alguém a buscar reparação depois de tanto tempo? Não é sobre dinheiro — é sobre não deixar que a história seja apagada. É sobre fazer com que o Estado assuma sua parcela de responsabilidade em um dos capítulos mais sombrios de nossa história recente.
O caso chegou à 12ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, e espera-se que sirva como precedente para outras vítimas que ainda carregam as cicatrizes — visíveis e invisíveis — daqueles dias terríveis.
Enquanto isso, o sobrevivente segue sua vida tentando reconstruir o que foi destruído naquela tarde de outubro. Sua luta na Justiça é, de certa forma, a luta de todos que acreditam que nenhuma instituição está acima da lei — e que algumas feridas precisam ser reconhecidas para, quem sabe um dia, começarem a cicatrizar.