
Quase meia década se passou. Seis anos, para ser exato. E o cheiro de lama ainda parece impregnar o ar para quem viveu aquela noite terrível no Parque Rodoviário.
Lembro de acompanhar a tragédia pela TV na época — imagens chocantes de casas sendo arrastadas como se fossem de papel. Mas a memória da tela não se compara ao que esses moradores carregam na pele. E o pior? A sensação de abandono que persiste até hoje.
O que mudou desde 2019?
Pouco, muito pouco. Mais de quinze famílias — sim, famílias inteiras — continuam esperando aquilo que é um direito básico: um teto. Um lugar para chamar de seu. Enquanto isso, seguem amontoadas em casas de parentes ou em situações precárias que beiram o desumano.
"A gente vira refém da própria sorte", desabafa uma das moradoras que preferiu não se identificar. O medo de represálias ainda fala mais alto que a necessidade de justiça.
Promessas que viraram pó
O programa Minha Casa Minha Vida — aquela esperança que acendeu nos olhos de tanta gente — parece ter esquecido completamente essas famílias. Os processos andam a passos de tartaruga, quando andam. E o pior é que muitos sequer entendem em que ponto está sua situação.
É um labirinto burocrático digno de Kafka. Documentos perdidos, prazos que se estendem indefinidamente, promessas que se desmancham no ar. Uma verdadeira via crucis administrativa.
O retrato da desigualdade
Enquanto isso, a vida segue — mas para alguns, ela segue com o freio de mão puxado. Crianças que nasceram depois da tragédia já estão na escola, mas ainda não conhecem o que é ter um lar de verdade. Idosos que perderam tudo na enxurrada agora enfrentam o desgaste físico e emocional de viver como "convidados" eternos.
É como se o tempo tivesse parado para essas pessoas. Enquanto a cidade se desenvolve ao redor, elas permanecem presas num limbo habitacional.
E agora, José?
A pergunta que não quer calar: até quando? Seis anos já seriam tempo mais que suficiente para resolver a situação, não acham? Mas a máquina pública parece ter suas próprias regras — e seu próprio ritmo, lento, dolorosamente lento.
O que me preocupa, francamente, é que casos como esse se normalizem. Que viremos as costas para o sofrimento alheio porque "já virou notícia velha". Mas para quem vive essa realidade, cada dia é uma nova batalha.
Talvez a maior tragédia não seja a enxurrada em si — mas o esquecimento que veio depois.