A economia brasileira apresenta um cenário de contradições: enquanto registrou um crescimento acima das expectativas nos últimos dois anos, sinais de desaceleração já são perceptíveis. E o principal freio, segundo análise do economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, não está no consumo interno ou no agronegócio, mas sim na persistente desorganização das contas públicas.
Diagnóstico: Crescimento sem Sustentação
Em entrevista concedida ao Mercado de Veja, Salto traçou um panorama didático e direto. Ele afirmou que o Brasil demonstra capacidade de expansão econômica, mas esbarra na dificuldade de manter esse ritmo enquanto conviver com um tripé problemático: juros elevados, dívida pública alta e gastos governamentais rígidos.
O especialista destacou que o país cresceu de forma robusta em 2023 e 2024, superando as projeções de muitos analistas. No entanto, já ingressou em uma fase de perda de fôlego. O setor de serviços continua sendo o componente de maior peso no Produto Interno Bruto (PIB), mas o agronegócio tem sido o motor do avanço recente, puxado principalmente pelo volume físico da produção.
"O Brasil cresceu bem em 2023 e 2024, acima do que os economistas projetavam, mas já entrou em desaceleração", resumiu Felipe Salto. A indústria, setor crucial por agregar mais valor e considerado indispensável para nações desenvolvidas, segue sendo o elo frágil da corrente.
Inflação em Retração e o Dilema dos Juros
No front da inflação, há um processo de desaceleração em curso. Os preços continuam subindo, mas em um ritmo menor. Essa trajetória abre espaço para que o Banco Central (BC) comece a discutir cortes na taxa Selic a partir de janeiro de 2026, conforme explicou Salto. Contudo, essa possibilidade está condicionada a um cenário fiscal que não se deteriore.
O economista alerta, porém, que uma inflação mais baixa não resolve todos os problemas. Itens como os alimentos ainda pesam de forma desproporcional no orçamento das famílias de menor renda. Paralelamente, os juros altos elevam os índices de inadimplência, pois encarecem o crédito e fazem com que uma parcela maior da renda seja destinada ao pagamento de dívidas.
O Nó Estrutural: A Questão Fiscal
No centro dos desafios está o que Salto classifica como o nó estrutural: a política fiscal. Para ele, o país só conseguirá expandir sua economia de maneira mais vigorosa e sustentável quando resolver o problema da dívida pública e recuperar a credibilidade perante os mercados.
Atualmente, a dívida pública brasileira está cerca de 20 pontos percentuais do PIB acima da média observada em países emergentes. A rigidez orçamentária é outro obstáculo colossal: com aproximadamente 95% do Orçamento da União engessado por despesas obrigatórias, qualquer ajuste significativo exige enfrentar temas complexos e impopulares.
Entre esses temas estão a revisão de subsídios, incentivos fiscais, gastos obrigatórios e benefícios sociais cujos resultados não são claramente mensuráveis. Sem um esforço consistente nessa direção, o Brasil permanece preso a um ciclo vicioso: o aumento de gastos gera um estímulo econômico pontual, a inflação reage a esse estímulo, o BC eleva os juros para contê-la e, por fim, o crescimento econômico evapora.
A conclusão da análise é clara: sem arrumar a casa nas contas públicas, o Brasil pode até correr em certos momentos, mas não conseguirá sair do lugar e alcançar um desenvolvimento duradouro. A sustentabilidade do crescimento futuro depende diretamente de decisões difíceis no campo fiscal.