Algumas das maiores empresas de comercialização de soja do mundo estão se preparando para abandonar um dos principais acordos de proteção da Floresta Amazônica. O motivo é uma nova lei estadual do Mato Grosso que, a partir de janeiro, retirará benefícios fiscais de companhias que participam do pacto ambiental.
O conflito entre economia e meio ambiente
De acordo com informações de duas fontes com conhecimento direto do assunto, as tradings buscam se proteger da legislação estadual. A chamada Moratória da Soja, em vigor desde 2006, impede que as empresas signatárias comprem grãos de produtores que plantem em áreas desmatadas da Amazônia após julho de 2008.
O estado do Mato Grosso, maior produtor de soja do Brasil, aprovou uma lei em 2023 que altera as regras do jogo. A norma determina a retirada de incentivos fiscais para empresas que aderem a programas de conservação ambiental mais restritivos do que a legislação brasileira. Um relatório preliminar de auditores estaduais revelou que as tradings se beneficiaram de incentivos no valor de aproximadamente R$ 4,7 bilhões entre 2019 e 2024.
As gigantes ADM e Bunge foram as maiores beneficiárias, recebendo cerca de R$ 1,5 bilhão cada uma, conforme dados do presidente do Tribunal de Contas do Estado, Sérgio Ricardo. Outras signatárias do pacto com unidades no estado são Cargill, Cofco e Amaggi.
Consequências para a floresta e a política climática
A Moratória da Soja é considerada uma ferramenta crucial na redução do desmatamento na Amazônia nas últimas duas décadas. Pesquisadores estimam que, sem o acordo, uma área do tamanho da Irlanda teria sido convertida em plantações de soja no Brasil.
“A maioria das empresas vai preferir não perder os incentivos fiscais e se retirar do acordo”, afirmou uma das fontes ouvidas pela reportagem. Na prática, essas saídas podem significar o fim do pacto firmado com o governo federal e organizações ambientalistas.
Cristiane Mazzetti, responsável pela moratória no Greenpeace, alertou para o perigo do precedente. “As empresas poderiam optar por manter seus compromissos de desmatamento zero. É um precedente perigoso e não é o que precisamos em um momento de emergência climática”, declarou.
Um cenário de incertezas e disputas judiciais
O governo federal brasileiro entrou com uma ação na Justiça contra a nova lei de Mato Grosso. André Lima, secretário extraordinário do Ministério do Meio Ambiente, confirmou a preocupação. “Se o governo de Mato Grosso realmente retirar esses incentivos, ouvimos dizer que algumas, ou muitas, empresas de fato vão abandonar a moratória por razões econômicas”, disse.
O cenário é complexo e envolve outras frentes de disputa:
- O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu investigação sobre a moratória por possível violação das regras de concorrência.
- Produtores de soja em Mato Grosso entraram com ações contra as tradings, cobrando cerca de US$ 180 milhões por perdas alegadas devido ao pacto.
- O ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, suspendeu a investigação antitruste, mas permitiu que a lei estadual entrasse em vigor.
Ambientalistas temem que o desmonte da Moratória da Soja abra caminho para o enfraquecimento de outras salvaguardas ambientais, como dispositivos do Código Florestal. A tendência de retrocesso já chamou a atenção de entidades agrícolas europeias, que usam o argumento para barrar o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul.
Enquanto isso, as empresas envolvidas – ADM, Bunge, Cargill, Cofco e Amaggi – não se manifestaram oficialmente sobre seus planos, deixando o futuro de uma das principais barreiras ao desmatamento na Amazônia em suspenso.