A administração municipal de São Paulo, liderada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), autorizou a aplicação de R$ 5 milhões em dinheiro público para financiar dois grandes eventos ligados a igrejas evangélicas durante o período de fim de ano. A decisão ocorre em um momento em que a maior cidade do Brasil enfrenta uma série de problemas estruturais urgentes, que vão desde residências sem energia elétrica devido a quedas de árvores até enchentes recorrentes em diversas regiões.
Detalhamento dos repasses milionários
Os recursos foram divididos entre duas instituições. O maior montante, de R$ 4 milhões, foi destinado como patrocínio, via Secretaria Municipal de Turismo, ao evento "Vira Brasil – São Paulo", organizado pela Convenção Batista Lagoinha, que tem à frente o pastor André Valadão. O evento está programado para ocorrer na Neo Química Arena, estádio do Corinthians, durante a virada do ano. Desse valor total, a quantia de R$ 2.792.690 foi reservada especificamente para o aluguel do local.
O segundo evento, que recebeu R$ 1 milhão dos cofres municipais, foi uma celebração realizada no último sábado, 27 de dezembro, na Renascer Arena, espaço utilizado há uma década pela Igreja Renascer em Cristo. Os documentos oficiais da prefeitura contrataram o cachê de sete artistas gospel, sem fazer menção explícita ao caráter religioso da programação. A lista de pagamentos inclui:
- Aline Barros: R$ 220 mil
- Anderson Freire: R$ 180 mil
- Imaginaline: R$ 140 mil
- Preto no Branco: R$ 120 mil
- Jottape: R$ 100 mil
- Nesky Only: R$ 90 mil
- André e Felipe: R$ 80 mil
- Soraya Moraes: R$ 70 mil
Contexto polêmico e envolvimento do prefeito
A escolha de apoiar o evento da Lagoinha com verba pública não é isolada e repete uma edição anterior realizada no Allianz Parque. Na ocasião, a prefeitura inicialmente negou a licença devido a reclamações de moradores sobre o barulho excessivo que se estendia até a madrugada. No entanto, a Câmara Municipal aprovou uma alteração na lei de controle de ruídos, permitindo a realização. Essa mudança foi posteriormente anulada pela Justiça em setembro, restaurando as restrições originais.
Para a versão deste ano, a localização foi alterada para a arena do Corinthians após um envolvimento pessoal direto do prefeito Ricardo Nunes. Em 30 de novembro, Nunes compareceu a um culto evangélico para anunciar o apoio ao lado do pastor André Valadão. Em declaração pública, o prefeito afirmou: “Queria te agradecer. Quando você estava nos EUA, você falando por vídeo, você falando da sua vontade de fazer essa grande festa para o povo… Estou muito feliz de estar ajudando. Eu te amo, cara”.
Contraponto: gastos públicos versus necessidades urgentes
O patrocínio milionário a eventos religiosos gera intenso debate, especialmente em uma megalópole como São Paulo, que possui inúmeras demandas prioritárias. Enquanto a prefeitura libera milhões para eventos com ingressos que podem custar até R$ 7 mil (em setores pagos do Vira Brasil), milhares de cidadãos lidam com problemas crônicos de infraestrutura.
Moradores de várias áreas da capital paulista enfrentam constantes interrupções no fornecimento de energia elétrica, frequentemente causadas por quedas de árvores, e sofrem com enchentes regulares que danificam propriedades e interrompem a mobilidade urbana. A destinação de vultosos recursos para satisfazer interesses de grupos religiosos influentes, em detrimento do atendimento a essas necessidades básicas da população, tem provocado revolta e críticas generalizadas entre os munícipes.
Este caso se insere em um cenário nacional de questionamentos sobre o uso de verbas públicas em atividades vinculadas a denominações evangélicas, um fenômeno que ganhou força com a ascensão do bolsonarismo como um movimento de caráter ideológico-religioso. A discussão central permanece: em uma cidade com tantas carências, é legítimo priorizar o financiamento de eventos religiosos privados com dinheiro de todos os contribuintes?