A lenda da perna cabeluda, uma das histórias mais intrigantes do imaginário popular pernambucano, tem um endereço específico para chamar de seu. Tudo começou na Rua Monteiro Lobato, conhecida como Rua do Amendoim, no bairro de Tiúma, em São Lourenço da Mata, região metropolitana do Recife. Nos anos 1970, moradores relatavam aparições de uma sombra com formato de perna humana, grande e coberta de pelos, que se movia sozinha pelas paredes e ruas à noite, aterrorizando a população.
Os relatos dos moradores e a casa assombrada
Os primeiros boatos surgiram após uma denúncia na década de 1970, registrada até nos jornais da época. Até hoje, moradores mais antigos da região juram ter visto a figura misteriosa. O epicentro dos acontecimentos era a residência de número 13 da Rua Monteiro Lobato. O atual morador do imóvel, que muitos chamam de "casa assombrada", preferiu não comentar o caso, mas a memória do evento permanece viva entre os vizinhos.
Dona de casa e testemunha ocular, Zenaide Batista conta que, pontualmente às 18h, uma sombra em forma de perna aparecia. "Eu digo porque eu fui, eu vi, que eu fui olhar de perto e vi", afirmou ela em depoimento. Outra vizinha, Adélia Maria do Nascimento, descreve a cena: "Era uma perna grande e ela ficava assim na parede, correndo". Ela garante que, curiosamente, não sentia medo ao observar a silhueta do membro decepado em movimento.
De caso policial a símbolo cultural
Com a ampla cobertura da mídia, os supostos ataques noturnos da perna cabeluda escalaram e se tornaram um "problema policial", alimentando um clima de pânico coletivo. Os jornais da época indicam que os eventos não se restringiram a Tiúma, ocorrendo também em locais como o Parque 13 de Maio, no Centro do Recife.
Há, porém, uma interpretação mais profunda para o fenômeno. Algumas versões sugerem que a lenda foi uma criação astuta de jornalistas pernambucanos. Eles usariam a história como um código para denunciar agressões policiais, especialmente contra grupos marginalizados, contornando assim a censura imposta pelo regime militar vigente.
O psicanalista e pesquisador Márisson Fraga corrobora essa visão. Ele afirma que o boato encontrou terreno fértil durante a repressão da ditadura militar. "Surge num período de muita insegurança, um período muito crítico. Em 1975, quando surge o boato da perna cabeluda, você tem ali um cenário sociológico que faz com que essa lenda encontre espaço no imaginário coletivo. Um retrato de um medo de uma geração", analisa.
A lenda no cinema e na cultura popular
O mito ultrapassou as barreiras do noticiário e se enraizou na cultura pernambucana, inspirando músicas, blocos de carnaval, literatura de cordel e, mais recentemente, filmes. A lenda ganhou projeção internacional ao ser retratada no filme "O Agente Secreto", do aclamado diretor recifense Kleber Mendonça Filho.
A obra foi escolhida como representante do Brasil na disputa por uma vaga no Oscar 2026 e recebeu três indicações ao Globo de Ouro. A repercussão do longa-metragem reacendeu o interesse e as dúvidas sobre a origem da assustadora perna.
Em outubro deste ano, a lenda saiu definitivamente do imaginário para ocupar o espaço físico: uma escultura gigante da perna cabeluda foi instalada na praça do Marco Zero, no Recife, para promover o filme "Recife Assombrado 2: A Maldição de Branca Dias". O episódio demonstra como uma história de terror local, nascida em uma rua simples do Grande Recife, transformou-se em um ícone duradouro do folclore urbano brasileiro.