Arcebispo Scherer proíbe transmissões online do padre Lancellotti após 40 anos
Scherer proíbe missas online do padre Lancellotti

Um capítulo de tensão entre hierarquia conservadora e pastoral social se abriu na maior diocese do Brasil. O arcebispo de São Paulo, cardeal Dom Odilo Scherer, determinou pessoalmente a suspensão das transmissões online das missas celebradas pelo padre Júlio Lancellotti, conhecido por seu trabalho com a população em situação de rua.

A ordem que silenciou as transmissões

A última missa transmitida pela internet do padre Lancellotti ocorreu no domingo, 14 de dezembro de 2025, na Paróquia São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca, em São Paulo. Na ocasião, o sacerdote anunciou que seria a última celebração com transmissão virtual, sem explicar os motivos na hora.

Segundo a jornalista e voluntária Denise Ribeira, que trabalha ao lado do religioso, a decisão partiu diretamente da Arquidiocese de São Paulo. A ordem foi recebida na semana passada, vinda do próprio Dom Odilo Scherer, conforme relato da voluntária. Diante da comoção dos fiéis, Lancellotti publicou uma nota de esclarecimento na terça-feira, 16 de dezembro, confirmando a suspensão temporária.

"Recebo [a notícia do fim das transmissões] com resiliência e obediência", declarou o padre à Agência Brasil. Ele reforçou que as missas presenciais continuam normalmente aos domingos, às 10h, na mesma paróquia.

Rumores de transferência e a defesa do padre

O caso ganhou ainda mais repercussão com a circulação de informações em grupos católicos de WhatsApp. Os rumores apontavam que, além de proibir as transmissões, Dom Odilo Scherer teria determinado a transferência do padre Júlio Lancellotti da Paróquia São Miguel Arcanjo, onde ele atua há quatro décadas.

O sacerdote foi rápido em negar essa possibilidade em seu comunicado oficial. "Não procede a informação sobre a transferência da Paróquia São Miguel Arcanjo", afirmou categoricamente. A reportagem da Agência Brasil tentou contato com a Arquidiocese de São Paulo por e-mail e telefone para obter a versão oficial, mas não obteve resposta até o momento da publicação.

O histórico de um padre à margem

A medida contra as transmissões atinge um dos religiosos mais conhecidos e polêmicos da capital paulista. Padre Júlio Lancellotti construiu sua trajetória pastoral dedicando-se aos mais vulneráveis:

  • Trabalho com a população em situação de rua, oferecendo acolhimento, assistência social e alimentação.
  • Projetos de inclusão social, acesso à leitura e à internet para pessoas marginalizadas.
  • Enfrentamento político constante, sendo alvo de perseguição por parte de políticos de direita.

Em 2024, essa perseguição materializou-se em uma tentativa do vereador Rubinho Nunes de criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as atividades do padre. O pedido, no entanto, foi negado pela Câmara Municipal.

A proibição das transmissões online, um canal vital de comunicação e pastoral especialmente durante e após a pandemia, coloca em evidência o conflito entre uma visão institucional mais conservadora e uma prática religiosa voltada para as periferias sociais e geográficas. O episódio deixa claro que, mesmo após 40 anos de trabalho ininterrupto na mesma comunidade, vozes dissonantes dentro da estrutura eclesiástica enfrentam limites impostos pela hierarquia.