Vaticano atualiza doutrina: sexo no casamento é expressão de amor, não só procriação
Nova orientação do Vaticano sobre sexo no casamento

O Vaticano divulgou, no final do mês de novembro, uma nota doutrinal que aborda de forma renovada um tema sensível e recorrente dentro da Igreja Católica: o lugar da sexualidade no matrimônio. O documento, assinado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé e aprovado pelo papa Leão XIV, traz uma visão que, ao mesmo tempo que mantém posições tradicionais, enfatiza com mais força o valor do sexo como expressão de amor e fortalecimento do vínculo entre os cônjuges.

O que muda na visão da Igreja sobre a intimidade conjugal

A orientação vaticana apresenta um equilíbrio entre continuidade e novos enfoques. O ato sexual dentro do casamento não precisa ter a procriação como objetivo imediato em toda relação, reconhecendo explicitamente sua função unitiva e afetiva. A nota afirma que a união sexual é uma forma de expressar a caridade conjugal e deve permanecer aberta à vida, mas isso não significa que deva buscar a geração de filhos a cada vez.

Para casais que não podem ter filhos, a mensagem é de plena inclusão. O Vaticano declara que a esterilidade não invalida a vida conjugal nem restringe a vida sexual. A sexualidade desses casais é considerada legítima e moralmente válida, pois a dimensão de união e aprofundamento do vínculo permanece intacta. O documento ressalta que a razão de ser do casamento vai além da formação de uma família, sendo sobretudo a constituição de uma união duradoura fundada no amor.

O texto também aborda os períodos naturais de infertilidade, indicando que os casais podem aproveitá-los com ternura e intimidade, como manifestação de afeto e para salvaguardar a fidelidade mútua. Seguindo ensinamentos anteriores, a Igreja considera lícito levar em conta os ritmos naturais.

Limites mantidos: o que continua proibido

Apesar da abertura em reconhecer o valor unitivo do sexo, a nota doutrinal mantém firmes vetos em áreas consideradas imutáveis. Os métodos contraceptivos artificiais, como pílulas, DIU e preservativos, continuam expressamente rejeitados. A orientação segue a linha tradicional, indicando apenas os métodos naturais para o espaçamento das gestações.

A sexualidade moralmente lícita, segundo o documento, permanece restrita à relação entre um homem e uma mulher unidos pelo sacramento do matrimônio. Relações extraconjugais são tratadas como ruptura grave da fidelidade e do vínculo sacramental, independentemente da motivação.

O poliamor ou quaisquer arranjos que envolvam múltiplos parceiros também não têm espaço. O documento reafirma a monogamia como propriedade essencial e insubstituível do matrimônio católico, definindo-o como uma união tão íntima e total que não pode ser compartilhada com outros.

Recomendações: sexo como caminho espiritual e de pertença

O Vaticano vai além das regras e oferece uma visão positiva e construtiva para a vida sexual dos casais. O sexo é definido como uma expressão concreta da "caridade conjugal", ou seja, do amor comprometido e responsável que vai além do físico, envolvendo uma relação emocional e espiritual.

O conceito de "pertença recíproca" (mutua appartenenza) é apresentado como pilar do matrimônio. A intimidade sexual seria uma forma de renovar essa aliança e reafirmar o lugar central que o cônjuge ocupa na vida do outro.

O documento faz uma crítica clara ao que chama de "individualismo consumista pós-moderno" e à busca descontrolada pelo sexo. A sexualidade, para ser plena, deve ser integrada ao amor consciente e à responsabilidade, evitando ser reduzida a mero alívio ou consumo.

Em uma abordagem notável, o texto recorre não apenas à tradição bíblica – que vê a união conjugal como metáfora da relação entre Deus e seu povo – mas também cita poetas como Pablo Neruda e Eugenio Montale, e até reflexões do filósofo Kierkegaard. Isso reforça o caráter afetivo, simbólico e até poético que a vida sexual pode ter dentro do casamento.

A síntese da nova orientação poderia ser "prazer sim, mas com amor". O Vaticano, sob o pontificado de Leão XIV, valoriza e deseja a sexualidade no casamento, desde que vivida como expressão de um amor exclusivo, duradouro e fraterno. O prazer não é condenado; o problema, alerta o texto, está no prazer desvinculado do compromisso, que pode terminar na amargura da solidão.