A jornada de Jennyfer Rodrigues, de 35 anos, representa mais do que uma simples carreira na área da beleza. Sua trajetória como cabeleireira e terapeuta capilar especializada em curvaturas no Acre mostra uma verdadeira missão de transformação social através do cuidado com cabelos cacheados e crespos.
O início desafiador e a transição capilar
A decisão de cortar toda a parte alisada do cabelo marcou um ponto de virada na vida de Jennyfer. Em 2015, quando iniciou sua própria transição capilar, a profissional enfrentou a resistência do mercado local. Todos os serviços oferecidos nos salões de Rio Branco eram voltados exclusivamente para cabelos lisos, sem qualquer espaço, técnica ou profissional especializado em curvaturas no estado.
Um episódio particularmente marcante ocorreu quando Jennyfer pediu que uma profissional cortasse toda a parte alisada de seu cabelo. O pedido foi recusado, obrigando-a a sair chorando do estabelecimento e realizar o corte sozinha em casa. Esta experiência dolorosa despertou nela o propósito de criar o espaço acolhedor que ela mesma precisou e não encontrou.
Superando limitações com criatividade
Os desafios iniciais foram significativos. Jennyfer começou atendendo dentro de seu próprio apartamento em Rio Branco, com estrutura extremamente limitada. O espelho era a porta do guarda-roupa, a cadeira era da sala de jantar e, sem lavatório, ela borrifava água para fazer os cortes.
A falta de produtos específicos para finalização no Acre a obrigou a improvisar. Jennyfer desenvolveu misturas com creme, gelatina e óleos naturais para atender suas primeiras clientes. Esta necessidade a levou a estudar profundamente curvaturas, terapia capilar, tratamentos naturalistas e protocolos específicos para cabelos cacheados.
"Tive que adaptar, criar fórmulas, testar ingredientes naturais e entender o comportamento dos fios. Muitas das técnicas que uso hoje nasceram dessa necessidade", explicou a profissional ao g1.
Transformação que vai além da estética
Com o passar dos anos e com especializações, Jennyfer percebeu que seu trabalho não se limitava ao resultado estético. A transformação emocional das clientes começou a se sobressair. Era comum ver mulheres chorando na cadeira, mas não de tristeza - e sim de reconhecimento.
"Muitas chegavam dizendo 'pensei que não tinha o cabelo bonito'. Quando se viam no espelho, ouvi várias vezes que era a primeira vez que se viam de verdade", relatou Jennyfer.
Uma história em particular marcou profundamente sua trajetória. Uma cliente que passou anos alisando o cabelo por pressão familiar e profissional não lembrava mais da própria curvatura natural. Após o corte e tratamento, a mulher se emocionou ao se reconhecer no espelho pela primeira vez em anos.
Representatividade e enfrentamentos
No início de sua carreira, Jennyfer não tinha referências de profissionais que se parecessem com ela ou que trabalhassem com cachos no Acre. Agora, muitas mulheres dizem se sentir acolhidas e representadas ao serem atendidas por alguém que entende suas histórias e necessidades.
Sua trajetória também foi marcada por enfrentamentos significativos. Quando seu primeiro salão montado no Calafate começou a atrair clientes de várias regiões, o espaço foi alvo de um assalto. Dois homens armados levaram tudo, do lavatório ao carro, enquanto ela atendia.
Jennyfer deixou a casa naquela mesma noite e recomeçou o trabalho na área da casa da cunhada, com o que havia sobrado. Foram ao menos três recomeços até conseguir estabilizar o negócio e ampliar a equipe.
Legado de aceitação e empoderamento
Depois de 10 anos de atuação e com um salão que é referência no estado, Jennyfer mantém o foco no acolhimento das clientes. Para ela, cuidar de curvaturas é técnico e não difícil.
"Cacho não precisa ser domado. Precisa ser compreendido. Cada curvatura tem seu comportamento, sua hidratação ideal e seu brilho próprio. O cuidado certo transforma não só o fio, mas a relação da mulher com ela mesma", completou.
A profissional destaca que a insegurança mais recorrente entre suas clientes é acreditar que seu cacho não é bonito ou que não tem um tipo certo. Sua mensagem é clara: "Não existe cacho feio, existe cacho mal compreendido".
Mesmo reconhecendo avanços importantes na última década, Jennyfer afirma que mulheres negras ainda enfrentam barreiras no mercado da beleza. Os relatos de discriminação e atendimento inadequado seguem frequentes, reforçando a necessidade de mais preparo técnico e acolhimento emocional.
"Não é só sobre cabelo. É sobre autoestima, identidade, liberdade e cura emocional", reforçou a profissional, cuja história se torna especialmente significativa durante o mês da consciência negra.