A consagrada romancista histórica britânica Philippa Gregory, frequentemente chamada de 'rainha da ficção real', acaba de lançar no Brasil sua mais recente obra, À Sombra dos Bolena, pela editora HarperCollins. O livro mergulha novamente na perigosa corte do rei Henrique VIII para explorar a vida da enigmática Jane Bolena, Lady Rochford, uma figura histórica frequentemente mal compreendida.
Resgatando Jane Bolena da sombra da história
Em entrevista exclusiva, Gregory explica sua abordagem para reexaminar Jane Bolena, personagem tradicionalmente retratada como traidora e depravada. A autora revela que nunca se sentiu satisfeita com a análise histórica convencional sobre essa mulher que serviu a cinco rainhas antes de ser executada por traição em 1542.
'Biografias mais recentes sugerem que sua história é mais complexa do que a de uma simples mulher má', afirma Gregory. A virada em sua interpretação veio ao perceber a proximidade de Thomas Cromwell com Jane. 'Cromwell foi quem a trouxe de volta à corte após a desgraça do seu marido e cunhada, e organizou para que ela tivesse uma fortuna como viúva de um traidor'.
Essa descoberta levou Gregory a crer que Jane estava sendo usada como espiã nos aposentos da Rainha, oferecendo uma explicação completamente nova sobre suas motivações e ações.
A metáfora do baile de máscaras na corte tirânica
Um elemento central no romance é o baile de máscaras da corte, que Gregory transforma em uma poderosa metáfora para o comportamento na corte de Henrique VIII. 'Ele representa como as pessoas se disfarçam e escondem os seus eus reais atrás de máscaras físicas, adotando uma persona e fingindo ser quem não são', explica a autora.
Contrariando possíveis suposições, Gregory enfatiza que os bailes de máscaras eram um elemento cultural significativo no mundo medieval, emergindo do mito da cavalaria e desenvolvendo-se em um tipo extraordinário de 'balé vivo' que era terrivelmente caro e, portanto, exclusivo da corte real.
Ligações entre a tirania Tudor e os tempos modernos
Gregory não hesita em traçar paralelos entre a corte do século XVI e o mundo contemporâneo. 'Todo romance histórico tem, por assim dizer, duas datas: o período sobre o qual se escreve e o período em que se escreve', reflete.
A autora realizou pesquisas extensas sobre tiranos modernos, incluindo Hitler, Stalin e Mussolini, identificando padrões comuns. 'Há uma ênfase absoluta em grandes edifícios e um desejo de deixar uma grande marca na paisagem. Também há um terror real da sua própria morte e uma falta de vontade absoluta de aceitar a fragilidade física'.
Para Gregory, o narcisismo extremo é o elo entre esses líderes tirânicos. 'No mundo moderno, vemos um número preocupante de países a escolher homens que se descrevem como homens fortes ou líderes fortes. A liderança deles é forte apenas nos seus próprios interesses'.
O papel das mulheres e a fragilidade do poder feminino
O romance explora profundamente como o destino das rainhas na corte Tudor era incrivelmente frágil. Gregory analisa como o primeiro casamento de Henrique VIII, com Catarina de Aragão, sendo um casamento de amor e escolha, estabeleceu um precedente perigoso.
'Se o casamento tivesse sido um arranjo formal baseado em terras ou propriedades, teria sido inquebrável', explica. 'Mas, como foi um casamento de escolha, Henrique, ao se apaixonar por Ana Bolena, não tinha nada que defendesse Catarina de Aragão'.
Ao criar uma nova Igreja para se divorciar, Henrique estabeleceu que os casamentos reais podiam ser dissolvidos ao desejo do rei, colocando todas as rainhas subsequentes à mercê de seus caprichos. 'Literalmente, Henrique estabeleceu que os casamentos reais podiam ser dissolvidos ao desejo do rei, e um sussurro tornou-se o destino de uma rainha'.
O equilíbrio entre ficção e fatos históricos
Questionada sobre como define o limite entre ficcionalizar figuras históricas e aderir a fatos verificados, Gregory adota uma abordagem pragmática. 'Quando há personagens sobre as quais não sabemos quase nada, há vastos períodos das suas vidas onde ninguém sabe o que elas estavam fazendo'.
Nesses casos, a autora considera razoável especular com base no que a maioria das mulheres nas mesmas circunstâncias faria. 'A beleza da ficção histórica é que não estamos confinados aos poucos registros que temos; somos capazes de imaginar e criar personagens que as pessoas consideram fascinantes'.
A mensagem central que Gregory espera transmitir com seu novo trabalho é clara: 'É vital resistir à tirania e à crueldade'. Essa convicção ecoa tanto no século XVI quanto em nosso tempo presente, demonstrando o poder duradouro da ficção histórica para iluminar verdades universais sobre o poder, a sobrevivência e a resistência humana.