O premiado escritor guatemalteco Eduardo Halfon apresenta ao público brasileiro sua mais recente obra, Tarântula, publicada pela Autêntica Contemporânea. O livro mergulha nas complexidades da memória e do trauma através das experiências de um menino judeu latino-americano.
Uma infância marcada pelo horror
A narrativa tem como ponto de partida um evento perturbador na infância do protagonista, quando ele tinha apenas 13 anos. Durante um acampamento para crianças judias na Guatemala da década de 1980, o garoto presencia uma cena que se tornaria o episódio mais marcante de sua juventude.
Deitado na barraca com amigos no meio da noite, ele ouve gritos repentinos e vê surgir um braço segurando o que parece ser uma aranha enorme. O susto inicial revela-se apenas a superfície de um trauma muito mais profundo, que simboliza horrores históricos coletivos.
Memória como construção literária
Em entrevista exclusiva, Halfon compartilha suas reflexões sobre a natureza da memória humana. "A memória, assim como a literatura, é ficção", afirma o autor, questionando a quem a memória serve melhor: à história ou à literatura.
O escritor explica que a memória funciona como uma aproximação ou ponto de partida, mas não como uma reconstrução fiel da história. "Ela se desvanece, muda com o tempo, varia com a perspectiva. Não reconstrói a história, mas pode construir algo novo dentro de um contexto histórico", complementa.
Traumas coletivos em pano de fundo
Halfon aborda em sua obra feridas que transcendem o âmbito pessoal, alcançando dimensões familiares, geracionais e coletivas. Como latino-americano, guatemalteco e judeu, o autor lida com traumas históricos que inevitavelmente permeiam suas narrativas.
"Não escrevo sobre eles diretamente", revela o autor. "Em vez disso, escrevo pequenas histórias íntimas" que se desenvolvem tendo esses traumas como pano de fundo. Essa abordagem sutil permite explorar questões profundas sem confrontá-las frontalmente.
Um dos personagens de Tarântula afirma que "as guerras nunca terminam", reflexão que ecoa ao longo da obra e dialoga com a herança histórica que Halfon carrega.
O desafio eterno do escritor
Questionado sobre os desafios enfrentados por escritores em um mundo acelerado e tecnológico, Halfon oferece uma perspectiva atemporal. "O maior desafio para um autor sempre foi e sempre será o mesmo": fazer com que suas palavras voem sobre a página.
O autor, que foi reverenciado e premiado por seu trabalho literário construído a partir das peças da memória, mantém-se fiel à essência da escrita. "O resto, como alguém já disse, é tecnologia", conclui, destacando que as mudanças tecnológicas sempre afetaram tanto o conteúdo quanto a distribuição das obras literárias.
Com Tarântula, Eduardo Halfon consolida sua posição como um dos vozes mais originais da literatura contemporânea, explorando as fronteiras entre memória, ficção e identidade através de uma narrativa que ressoa tanto no âmbito pessoal quanto no histórico.