Em Araçatuba, cidade do interior de São Paulo com mais de 208 mil habitantes, a história e a identidade cultural ganham sabor em um prato icônico: o cupim casqueirado. Reconhecido oficialmente como patrimônio histórico imaterial do município, o prato transcende o simples ato de comer para se tornar um símbolo de memória afetiva e coletiva.
Uma história que nasceu nos quintais
A receita, que hoje atrai curiosos de todo o país, tem origem humilde e data de criação precisa: 1989. Naquele ano, o então comerciante Sérgio Montoro, hoje com 68 anos e funcionário público, comprou um bar próximo a duas faculdades. Pensando em oferecer um prato completo e acessível para os estudantes, ele teve um insight ao lembrar do cupim, um corte bovino que, na época, não era valorizado.
"Naquela época, o cupim era uma carne 'ruim' para as pessoas, era a carne que sobrava, o pessoal dava para os cachorros", relembra Sérgio em entrevista. Foi dessa percepção que surgiu a ideia de transformar o ingrediente.
O acaso que criou uma iguaria
A técnica do casqueirado nasceu de forma improvisada. Sérgio percebeu que, ao deixar a peça de cupim exposta por mais tempo à brasa, formava-se uma casca crocante e caramelizada, enquanto o interior da carne permanecia extremamente macio e suculento. O resultado foi um sucesso instantâneo entre os moradores e, posteriormente, entre visitantes.
O ritual de preparo se consolidou: uma peça inteira assada lentamente na brasa, virada por horas, até atingir a textura perfeita. Para as guarnições, a lógica foi simples e certeira: "Se tem churrasco, tem mandioca e vinagrete", concluiu o criador, definindo a combinação que se tornaria oficial.
Lei, selo e proteção da receita original
Para garantir a autenticidade do prato, a Lei Municipal nº 7.324 foi promulgada em 14 de dezembro de 2010, há exatos 15 anos, instituindo oficialmente o cupim casqueirado como um dos pratos típicos de Araçatuba. A legislação é minuciosa e define:
- O corte específico da carne (a protuberância localizada atrás do pescoço do boi).
- O modo de preparo, que deve ser em braseiro de madeira ou churrasqueira elétrica do tipo giragril.
- Os acompanhamentos obrigatórios: mandioca cozida, salada de alface, rúcula, tomate e cebola em rodelas, farofa, vinagrete tradicional e molho de tomate especial.
O Conselho Municipal de Turismo é o responsável por avaliar bares e restaurantes que desejam servir o prato. Os estabelecimentos que seguem fielmente a receita recebem um selo de reconhecimento, que lhes dá o direito de divulgá-lo. Caso descumpram as regras, o selo pode ser cassado.
Um patrimônio que move a economia local
A fama do cupim casqueirado transformou-o em um verdadeiro carro-chefe gastronômico para Araçatuba. Em meses de alta temporada e férias, os estabelecimentos credenciados chegam a vender, juntos, cerca de seis toneladas da iguaria por mês.
Fabrício Ribeiro, empresário de 43 anos do ramo alimentício na cidade, confirma o poder de atração do prato. "Clientes dizem: 'Vim aqui só pelo cupim casqueirado'", relata. Ele ressalta a singularidade da receita local: "Aqui usamos um processo mais demorado, a textura fica mais macia por dentro, além da 'casquinha' ficar bem marcada e crocante".
Para Sérgio Montoro, o criador, a verdadeira patente não está em um documento, mas no reconhecimento das pessoas. "A minha patente está nos elogios das pessoas por eu ter criado essa combinação, em ver as pessoas comendo com felicidade", declara, mantendo a humildade que marcou a origem dessa história saborosa que, agora, é parte oficial da história de Araçatuba.