A fotógrafa pernambucana Maíra Erlich conquistou um lugar de destaque no cenário internacional do fotojornalismo. Sua imagem "Shoulder to lean on" foi selecionada pela National Geographic como uma das 25 melhores fotografias do ano, trazendo visibilidade para uma das maiores tragédias socioambientais urbanas do Brasil.
O retrato humano de uma tragédia
A fotografia premiada mostra Damião Carlos da Silva, um homem que teve que abandonar a casa onde vivia há mais de duas décadas às margens da lagoa Mundaú, em Maceió. Na imagem emocionante, ele aparece de olhos fechados com um pintinho de estimação repousando em seu ombro. O momento capturado representa a relação profunda que Damião mantinha com os animais que criava, muitos dos quais precisou deixar para trás.
Maíra Erlich explicou em entrevista que a imagem escolhida pela revista traduz a dimensão humana da tragédia. "É uma foto que não fala claramente do que é a tragédia, mas é um detalhe ali, um momento muito silencioso que representa essa relação que Damião tem com os animais", afirmou a fotojornalista.
O maior desastre socioambiental urbano do mundo
O projeto fotográfico documenta o afundamento de bairros inteiros em Maceió causado pela mineração de sal-gema, mineral utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC. Segundo Maíra, esta é considerada "o maior desastre socioambiental urbano do mundo ainda em andamento".
A ideia do projeto surgiu quando Maíra se inscreveu para uma bolsa da National Geographic Society, conquistada em 2023. A timing foi crucial - semanas antes do colapso da mina 18, ocorrido em dezembro daquele ano.
Os números do desastre são alarmantes:
- Approximately 60 mil pessoas foram expulsas de suas casas
- Pelo menos 20 pessoas cometeram suicídio em decorrência da tragédia
- Outras morreram devido ao agravamento de doenças
- Comunidades inteiras perderam suas fontes de sustento
Vidas transformadas pela mineração
Damião e sua esposa, Luzia, representam milhares de afetados pelo desastre. O casal perdeu não apenas a casa, mas também o sustento e os animais que criavam. Eles moravam num barraco à beira da lagoa Mundaú, região onde boa parte das minas de sal-gema estão localizadas.
Maíra relata que, por conta do colapso ambiental, o casal parou de encontrar sururu e peixe adequados para o consumo. O local onde viviam era praticamente um sítio, onde criavam porcos, cavalos, gatos, cachorros, coelhos e diversos outros animais - todos tratados como filhos.
"Muita gente morreu meio que de tristeza mesmo", lamentou a fotógrafa. "Você perde não só um imóvel. Às vezes era uma herança familiar, um lugar que traz uma noção de identidade, de comunidade".
Ampliação da divulgação internacional
O reconhecimento pela National Geographic representa mais do que um prêmio pessoal para Maíra Erlich. A fotógrafa pretende usar a visibilidade para ampliar a divulgação internacional do projeto e chamar atenção para a tragédia que ainda assola Maceió.
"Fico bem feliz de entender que existe um interesse de divulgação global e é nisso que eu vou trabalhar agora", declarou Maíra. "Divulgar o máximo possível essa história lá fora para que, de repente, aqui dentro do Brasil, as pessoas possam dar mais atenção a ela também".
O trabalho de Maíra exigiu um mergulho profundo nas histórias das famílias atingidas, capturando não apenas imagens, mas as emoções e perdas de uma comunidade inteira transformada por um desastre ambiental de proporções históricas.