No interior de São Paulo, onde a cultura sertaneja e agropecuária tradicionalmente dominam o cenário, um coletivo vem ganhando espaço ao dar voz à cultura das periferias. A Caixa Preta, produtora cultural fundada em setembro de 2019 em Presidente Prudente, tem se destacado como articuladora de diferentes coletivos de rap e funk na região.
Da resistência à articulação cultural
O projeto nasceu com uma proposta inicial de produzir festas universitárias que aproximassem a comunidade local do universo acadêmico, mas rapidamente se transformou em um espaço de resistência e valorização da cultura periférica. DJ Afrodeus, nome artístico de Saulo Vinicius Alves da Silva, é um dos fundadores e explica que a frase "Vista a lupa e veja o funk" inspira o trabalho do grupo.
Aos 29 anos, ele atua ao lado de Esther Pacheco, DJ Frita (Julia de Oliveira Gutierrez) e Guina (Guilherme Marcondes Silva) para fortalecer o cenário do rap e do funk no oeste paulista. A equipe enfrentou seu primeiro grande desafio poucos meses após a fundação: a pandemia de COVID-19 forçou a interrupção das atividades presenciais, obrigando o coletivo a recomeçar praticamente do zero quando as restrições foram flexibilizadas.
Projetos que transformam a cena local
Entre as iniciativas de maior destaque está o Vozes do Gueto, projeto que promove batalhas de rima mensais com financiamento da FCT-Unesp. A iniciativa busca dar visibilidade a novos talentos e fortalecer a cena hip-hop local, aproximando artistas das "quebradas" e estimulando a ocupação de espaços públicos.
Desde 2023, a produtora tem se destacado na articulação entre diferentes coletivos culturais de Presidente Prudente, incluindo a Batalha da Môntica, a Oficina de Freestyle e a Batalha Sexta-Flow. Essa união resultou na realização da Feira Sabotage – 50 Anos de Hip Hop, evento que reuniu MCs, DJs e artistas da região para celebrar as origens do movimento nas periferias.
"Como os integrantes em sua maioria são negros, LGBTQ+ e mulheres, com vivências nos movimentos de rua e sociais, encontramos nas atividades e eventos culturais uma forma de confluir nossos diversos objetivos, com enfoque na cultura periférica e afro-brasileira", explica a produtora.
Desafios e conquistas marcantes
Com seis anos de trajetória, a Caixa Preta ainda enfrenta dificuldades comuns para quem trabalha com cultura periférica no interior. O principal desafio, segundo os integrantes, é a captação de recursos. Muitos projetos não despertam o interesse da iniciativa privada, mesmo tendo grande relevância social.
"Percebemos como existe um certo isolamento de Prudente com outras regiões do estado em relação à cultura periférica, o que impede um intercâmbio maior entre artistas e produtores culturais. Vemos também como o custo para realizar eventos tem se tornado cada vez maior, mesmo quando realizados em espaços públicos", relata o grupo.
Entre as conquistas mais significativas está o bate-papo com Eliane Dias, empresária dos Racionais MC's, realizado em novembro deste ano. "Foi um marco para nossa produtora poder debater com alguém que constrói o rap nacional", afirmam os integrantes.
A Feira Sabotage, organizada em 2023 no bairro Brasil Novo, também marcou a trajetória do grupo ao mostrar o potencial do hip-hop em unir talentos locais e regionais, com a presença de artistas de Araçatuba, Assis e Rio Claro.
Olhando para o futuro
Para os próximos anos, os integrantes acreditam que o fortalecimento do hip-hop em Presidente Prudente passa pela profissionalização de artistas, agentes e produtores. O grupo quer seguir atuando como articulador de projetos formativos, por meio de bate-papos, oficinas e iniciativas como o Vozes do Gueto.
A produtora também se prepara para uma nova fase de circulação. Depois de levar o baile funk da FBDO TOUR para cidades como Londrina (PR) e Sorocaba (SP), o plano agora é rodar o estado em 2026 com produções voltadas ao hip-hop e reggae, além de levar novas edições da Feira Sabotage para outros municípios da região.
"Colocar artistas negros em evidência é ao mesmo tempo uma forma de preservação e manutenção da cultura afro-brasileira, como um enfrentamento ao apagamento de pessoas negras na nossa sociedade. Essa mescla está nos nossos ideais de uma produção que, antes de pensar no mercado, pensa nos sujeitos que ela busca atingir e suas vivências", finaliza a Caixa Preta.