Jards Macalé: como a música sobre sexo enganou a ditadura militar
Jards Macalé enganou ditadura com música sobre sexo

O cenário musical brasileiro perdeu uma de suas figuras mais emblemáticas. Jards Macalé morreu nesta segunda-feira, 17 de novembro de 2025, aos 82 anos, deixando um legado de coragem e criatividade que marcou a história cultural do país.

Uma obra-prima da resistência cultural

Em 1972, durante o período mais sombrio da ditadura militar brasileira, Jards Macalé realizou um verdadeiro ato de genialidade artística. Ele compôs e lançou "Meu Amor Me Agarra, E Geme, E Trema, E Chora E Mata", uma canção que aparentemente falava sobre relacionamentos passionais, mas que na realidade escondia uma profunda crítica política ao regime autoritário.

Enquanto os censores do governo militar ouviam os versos carregados de sensualidade e acreditavam tratar-se de uma simples canção sobre desejos íntimos, Macalé articulava uma das manifestações artísticas mais inteligentes contra a opressão. O truque estava na metáfora perfeita que construiu, comparando um relacionamento amoroso opressor com a realidade do regime ditatorial.

A genialidade por trás da letra

A canção de Macalé utilizava a linguagem do desejo para falar sobre poder e autoritarismo. Quando descrevia um amor que "prende entre os dentes e depois abandona", o compositor não apenas reconhecia o potencial destrutivo do poder vigente, mas também revelava sua natureza fundamentalmente frágil e performática.

A ditadura, assim como o amor retratado na música, era brutal na aparência, mas ilegítima e insustentável na essência. Macalé conseguiu capturar essa contradição de forma brilhante, criando o que ele próprio descreveria como uma representação do "tigre de papel" que era o regime militar.

O legado de um artista corajoso

A estratégia de Jards Macalé representou um marco na resistência cultural brasileira. Enquanto muitos artistas sofriam com a censura e a repressão, ele encontrou uma maneira criativa de burlar o sistema e transmitir sua mensagem política.

Sua música tornou-se um símbolo da capacidade da arte de desafiar o autoritarismo, demonstrando como a criatividade pode ser uma arma poderosa contra a opressão. A obra permanece como testemunho do talento e da coragem de um artista que não se calou mesmo nos momentos mais difíceis da história recente do Brasil.

A morte de Jards Macalé encerra um capítulo importante da música popular brasileira, mas seu legado continua vivo através de suas composições atemporais e do exemplo de resistência que representa para as novas gerações de artistas.