Uma proposta artística inovadora que mistura pesquisa científica, criação musical e inclusão social ganha forma no interior de São Paulo. Em São Carlos, o grupo Sons Vítreos se destaca ao utilizar instrumentos musicais feitos inteiramente de vidro, executados em sua maioria por pessoas com deficiência visual.
Uma orquestra única no mundo
Com uma ideia considerada ousada e poética, o coletivo musical formado por 11 integrantes tem um diferencial marcante: 3 participantes possuem baixa visão e 4 são cegos totais. O repertório é 100% brasileiro, com foco em MPB e releituras, e já ecoou por diversas cidades do Brasil e em países como Escócia e Holanda.
A atriz Rosemeire Alves da Silva, conhecida como Rose Romãs, integra o grupo desde 2016 e toca o triângulo de vidro. Para ela, a banda representa uma novidade global. "Para mim, o grupo representa uma novidade no mundo porque tem orquestras com instrumentos convencionais e de vidro não se acha. A nossa é única no mundo", afirmou. Ela destacou ainda a alegria de se apresentar em outros países e conhecer novas culturas através da música.
Inspiração que veio do laboratório
A origem do Sons Vítreos está diretamente ligada à ciência. O grupo foi criado em 2016 para celebrar os 40 anos do Laboratório de Materiais Vítreos (LAMAV) da UFSCar. A inspiração partiu do professor e pesquisador Edgar Zanotto, que tocava berimbau e imaginou a criação de um berimbau de vidro.
Essa ideia inicial se expandiu para outros instrumentos de percussão "diferentões" feitos do material, como carrilhão, caxixe e xequere. Eles são tocados em conjunto com instrumentos convencionais, como violão e sanfona. "Músicos amadores e profissionais, com e sem deficiência visual, se reuniram para uma apresentação e, desde então, seguimos divulgando ciência e arte de forma inclusiva", explicou Karina Lupetti, coordenadora do grupo.
Do vidro de borosilicato aos palcos internacionais
A confecção dos delicados instrumentos é tarefa do hialotécnico da UFSCar, Ademir Sertori. Ele utiliza vidro de borosilicato, material mais resistente ao calor e a impactos do que o vidro comum. Karina Lupetti, que também é professora e diretora do núcleo de divulgação científica Ouroboros, garante que, com os devidos cuidados, as peças têm longa durabilidade e muitas podem ser reparadas em caso de pequenos danos.
A trajetória do grupo já ultrapassou fronteiras. Eles se apresentaram em eventos de comunicação pública da ciência na Nova Zelândia (2018), Holanda (2023) e Escócia (2025). Em 2026, o Sons Vítreos completará uma década de existência e pretende seguir "tocando em frente", como brincam os integrantes.
Pensar a acessibilidade em todas as etapas, dos ensaios às apresentações, é um desafio permanente, mas também uma fonte de aprendizados. "A experiência de pensar acessibilidade e inclusão do começo ao fim de cada projeto é um grande desafio, mas juntos conseguimos seguir e acumular boas histórias para contar", disse Karina.
O grupo está aberto a novos integrantes, sem exigência de formação profissional, e busca apoiadores para garantir a continuidade dos ensaios e deslocamentos para apresentações. Com instrumentos únicos e uma proposta que desafia limites, o Sons Vítreos segue afinando ciência, música e diversidade, ampliando vozes que, juntas, ressoam muito além do vidro.