5 estratégias de 'Três Graças' que fazem público torcer pelos ladrões
Como a TV Globo faz público torcer pelos bandidos

Na trama da novela Três Graças, da TV Globo, um fenômeno intrigante captura a atenção do público: torcer pelos ladrões que roubam uma valiosa estátua da personagem Arminda, vivida por Grazi Massafera. Mais do que uma simples história de crime, a narrativa, assinada por Aguinaldo Silva, constrói um jogo moral cuidadosamente desequilibrado, onde a ação ilegal parece mais justa do que a ordem estabelecida.

O episódio, analisado em detalhes pelo colunista Valmir Moratelli em 19 de dezembro de 2025, revela como a dramaturgia transforma um furto em um gesto simbólico de justiça social. A tática desloca o peso do crime para uma crítica ao sistema e cria uma identificação emocional com os personagens que cometem o delito, um recurso clássico e muito eficaz na televisão brasileira.

Os mecanismos da inversão moral

A construção narrativa que leva o espectador a apoiar os fora da lei não é aleatória. Ela segue um roteiro psicológico preciso, elaborado em cinco etapas centrais que Aguinaldo Silva aplica com maestria.

Humanização dos criminosos

Os ladrões não são apresentados como bandidos profissionais ou figuras violentas. Pelo contrário, são pessoas comuns, com carências afetivas, dificuldades financeiras e um senso de humor que os torna próximos do telespectador. No centro do grupo está a mocinha Gerluce, interpretada por Sophie Charlotte. A narrativa garante que o público entenda os motivos que levam os personagens a roubar antes de julgar o ato em si.

O alvo que não desperta empatia

A estátua roubada é mais do que um objeto de arte. Ela simboliza poder, elite, vaidade institucional e interesses econômicos distantes da realidade da maioria das pessoas. Na trama, o item ainda esconde dinheiro ilícito. Ao deslocar o prejuízo para algo abstrato e elitizado, a novela reduz significativamente o peso moral do furto. O espectador não sente que algo valioso foi tirado de alguém como ele.

A clássica inversão ética da teledramaturgia

A trama sugere habilmente que os verdadeiros vilões estão enraizados no sistema corrupto e desigual. A figura do empresário, representada por Santiago Ferrete (Murilo Benício), encarna essa força opressora. Em contraste, os ladrões são pintados como vítimas de desigualdade, exclusão e injustiças históricas. Dessa forma, o crime se transforma em uma espécie de reparação simbólica, uma "justiça com as próprias mãos" para uma comunidade que constantemente recebe remédios falsos, como mostra a história.

O tom narrativo que conquista a audiência

Além da construção moral, o tom de farsa e aventura é crucial. O roubo é encenado com um ritmo leve, tensão calculada e pitadas de humor. Essa abordagem aproxima o espectador do gênero do "golpe esperto", onde torcer pelos fora da lei se torna quase um pacto narrativo entre a obra e quem assiste. A pergunta retórica fica no ar: alguém realmente acredita que Joaquim Monteiro (Marcos Palmeira) seria um ladrão de verdade?

Por fim, a novela aposta na forte identificação social e emocional. Parte do princípio de que o público se reconhece mais naqueles que perdem ou lutam do que naqueles que já têm tudo. Assim, o espectador projeta suas próprias frustrações e desejos de justiça nos ladrões, vivendo o roubo como uma pequena vitória simbólica contra estruturas que considera opressoras. É a velha máxima, adaptada para a teledramaturgia: ladrão que rouba ladrão, haja perdão.