Iyagunã e Kandiero: 2 vozes que fortalecem cultura negra no Paraná
Líderes negros transformam educação no Paraná

No Paraná, estado que concentra a maior população negra da região Sul do Brasil, histórias de resistência e luta por igualdade racial encontram na educação seu principal campo de atuação. Duas vozes se destacam nesse cenário: Iyagunã Dalzira, de 83 anos, e Mestre Kandiero, ambos referências no movimento negro curitibano.

Trajetória inspiradora: dos 47 aos 81 anos nos bancos escolares

Iyagunã Dalzira construiu uma relação extraordinária com a educação ao longo da vida. Mineira de nascimento e paranaense de coração, ela concluiu a Educação de Jovens e Adultos aos 47 anos, graduou-se em Relações Internacionais aos 63, conquistou o mestrado aos 70 e o doutorado aos 81 anos.

Sua jornada educacional começou de forma singela, através de um curso de costura por correspondência. "Esse curso me proporcionou 14 apostilas de português. Porque percebia que a comunicação estava terrível. E aí eu fui lendo, fui estudando, estudando, aí que despertou a vontade de estudar, de ir em frente", relembra a líder comunitária.

Como mulher preta, Iyagunã sempre sentiu a necessidade de provar sua capacidade. Nos livros, encontrou a força e os argumentos que muitos tentavam negar. Sua história de perseverança tornou-se exemplo vivo de resistência e inspiração para novas gerações.

Legado que se expande: do exemplo à ação concreta

O impacto da trajetória de Iyagunã ultrapassou as barreiras pessoais e ganhou espaço físico em 2024 com a inauguração do Centro de Educação para Relações Étnico-raciais do Colégio Estadual do Paraná (CEP). Seu exemplo inspirou ainda a criação do Movimento Coletivo Preto, iniciativa de estudantes que resgata histórias, provoca reflexões e desenvolve arte.

"Ela é uma das nossas principais referências. Tem uma história de vida muito linda. Quando tratamos das questões raciais pela ótica da educação antirracista, pensamos sempre em mostrar toda a produção positiva de pessoas negras", explica Cesar Augusto Cruz, chefe da divisão educacional do CEP.

Letramento racial através dos livros

Em outra frente de atuação em Curitiba, Mestre Kandiero, escritor, pesquisador e ativista, transformou sua luta pessoal em política do livro. Sua principal contribuição materializou-se na primeira estante afro da Biblioteca Pública do Paraná, instituição com 168 anos de história.

Inaugurada em setembro de 2023, a Estante Maria Águeda - nome que homenageia uma resistente negra do século 19 presa e assassinada por desafiar a elite da época - reúne mais de 500 livros de autores negros do Paraná, do Brasil e do mundo. Todos os volumes foram doados por Kandiero e estão disponíveis gratuitamente.

"Há muitos anos a gente tem observado a biblioteca. É um espaço maravilhoso, de conhecimento, de encontro, de divergências e convergências. E eu nunca me via nessa biblioteca", reflete o mestre sobre a importância da representatividade nos espaços de cultura.

Contexto que demanda ação

Essas iniciativas ganham especial relevância considerando que o Paraná possui 34% de população autodeclarada negra, segundo dados do IBGE, sendo o estado com a maior representatividade negra na região Sul. Paralelamente, os casos de racismo aumentaram quase 17% no estado, indicando a urgência de ações educativas e de conscientização.

As histórias de Iyagunã e Kandiero demonstram que a educação continua sendo ferramenta fundamental no combate ao racismo e na valorização da cultura e memória negra paranaense, inspirando novas gerações a construírem uma sociedade mais justa e igualitária.