Hunsrückisch: a língua alemã de 1,2 milhão no Brasil que famosos não falam
Hunsrückisch: língua alemã brasileira que famosos não falam

Se Gisele Bündchen, Alisson Becker ou Rodrigo Hilbert pudessem viajar no tempo para encontrar seus antepassados alemães, precisariam de um tradutor especializado. A comunicação seria difícil mesmo com um intérprete de alemão padrão, pois seus ancestrais falavam uma língua diferente: o Hunsrückisch.

O que é o Hunsrückisch e sua história no Brasil

O Hunsrückisch é uma língua derivada do Plattdeutsch (baixo-alemão) trazida por imigrantes da região de Hunsrück, na Renânia Central, no século 19. Esses migrantes não chamavam sua língua de Deutsch, mas sim de Deitsch, Düütsk ou Platt.

No Brasil, essa língua sofreu transformações ao longo de mais de 200 anos e hoje é falada por mais de 1,2 milhão de pessoas, número equivalente à população de Campinas (SP). Existem também comunidades que utilizam o Hunsrückisch na Argentina, Paraguai e Bolívia.

O trabalho de preservação e o risco de extinção

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o professor Cleo Vilson Altenhofen guarda o maior acervo de Hunsrückisch do mundo. Sua sala abriga centenas de livros, cartas, diários, arquivos de áudio e vídeo nesse idioma.

Altenhofen foi o primeiro a fazer referência à variante hunsriqueano rio-grandense em sua tese de doutorado em 1996. Ele capitaneou o projeto Escrithu, que formalizou a ortografia, regras gramaticais e vocabulário do Hunsrückisch.

Entretanto, a língua enfrenta um fenômeno comum a vernáculos minoritários: a perda linguística. Nem mesmo o professor está imune a esse processo - enquanto sua geração ainda aprendeu o idioma, suas filhas e sobrinhas são a primeira da família a não dominar a língua dos ancestrais.

Reconhecimento oficial e iniciativas de preservação

O Inventário do Hunsrückisch como Língua Brasileira de Imigração, organizado por Altenhofen e Rosângela Morello da UFSC, mapeou o uso consistente da língua no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo. O trabalho levou a um pedido de reconhecimento do Hunsrückisch como referência cultural brasileira.

Atualmente, sete línguas obtiveram esse reconhecimento no Brasil: seis indígenas e uma europeia (o talian, falado por migrantes da região do Vêneto).

Em Santa Maria do Herval (RS), uma experiência inédita valoriza o Hunsrückisch - chamado localmente de Hunsrik. Desde 2017, a língua faz parte do currículo escolar da pré-escola ao 5º ano do ensino fundamental. Pelo menos outros quatro municípios oficializaram o ensino do sistema Hunsrik Plat Taytx.

A pedagoga Márcia Fenner relata que quando contava histórias em português para crianças que falavam hunsriqueano em casa, 90% delas permaneciam indiferentes. Ao usar o Hunsrückisch, a interação melhorou significativamente.

Porém, nem todos apoiam a iniciativa. Maria Rejane Schuh Kuhn, ex-secretária municipal de Educação de Santa Maria do Herval, acredita que o incentivo ao alemão padrão abre mais portas para os estudantes do que o dialeto.

Para Altenhofen, o valor dessas línguas minoritárias vai além da utilidade prática. São línguas de comunidade que fortalecem o pertencimento e a identidade, sintetizados na palavra hunsriqueana mottersproch - língua materna.