Nesta quinta-feira, 20 de novembro, a região de São José do Rio Preto celebra o Dia da Consciência Negra com eventos especiais e uma profunda reflexão sobre o combate ao racismo. A data representa muito mais que um feriado no calendário oficial - é uma oportunidade para resgatar narrativas históricas que foram sistematicamente apagadas ao longo dos anos.
A história não contada de Rio Preto
A trajetória oficial de São José do Rio Preto, fundada em 19 de março de 1852 por João Bernardino de Seixas Ribeiro, frequentemente omite uma verdade fundamental: a imensa contribuição da população negra no desenvolvimento da cidade. Enquanto os livros destacam nomes de imigrantes árabes e italianos que chegaram no final do século XIX, a participação essencial dos afrodescendentes permaneceu nas sombras.
Segundo o historiador Fernando Marques, essa omissão distorce a realidade histórica: "Rio Preto foi uma cidade de imigrantes, os árabes chegaram aqui no final do século XIX, depois os italianos, por causa do café aqui. Mas a cidade foi praticamente, posso falar 50% feita com as mãos dos negros também".
Personagens fundamentais resgatados do esquecimento
Entre as figuras históricas que estão sendo redescobertas está Pedro Amaral, homem negro que teve papel central na transformação do pequeno povoado em cidade. Suas contribuições incluíram:
- Participação ativa no processo de urbanização
- Articulação de caminhos políticos e administrativos
- Contribuição fundamental para o desenvolvimento de Rio Preto
O reconhecimento de Pedro Amaral como figura histórica essencial deve-se em grande parte ao trabalho incansável de Aristides dos Santos, pesquisador e militante que dedicou sua vida ao estudo da história local. Aristides documentou provas e defendeu publicamente a importância de Pedro Amaral, insistindo para que sua imagem fosse incluída na Câmara Municipal.
A antropóloga Niminon Suzel explica a importância desse trabalho: "Se hoje o Pedro Amaral é reconhecido como o primeiro prefeito da cidade, o único que tinha patente real de coronel, é graças ao Seu Aristides, porque foi ele que ficou na porta da Câmara durante décadas exigindo que a foto do Pedro Amaral constasse lá. Ele nunca desistiu de valorizar a pessoa afrodescendente".
Arte e cultura como expressão de resistência
A influência da população negra em Rio Preto não se limitou à política e ao desenvolvimento urbano. Nas artes, a cidade produziu talentos que ganharam projeção nacional e internacional.
O clarinetista e saxofonista Paulo Moura, nascido no centro da cidade, é reconhecido como um dos grandes gênios da música brasileira. Segundo o historiador Fernando, "A música dele é negra, total. Paulo Moura não é só para Rio Preto a expressão da música, é a expressão da arte negra no Brasil".
Nos palcos locais, Laerte Cunha quebrou barreiras ao se tornar o primeiro homem negro a ocupar posição de destaque no teatro rio-pretense. Em uma época onde o protagonismo era quase exclusivo de atores brancos, Laerte abriu caminho para gerações futuras.
Sua filha, Beta Cunha, segue seu legado e reflete sobre a importância dessa representação: "Ele já tinha um olhar diferente do universo, do território em que ele vivia. Questionando a violência contra a mulher, com a questão racial que ele, meu avô, minhas tias e meus tios sofriam. É possível, sim, que a gente continue e só avance, na questão do não apagamento e de ocupar esses espaços a todo momento".
O Dia da Consciência Negra em Rio Preto serve como um importante lembrete de que a história completa da cidade ainda está sendo escrita - e que incluir todas as vozes que contribuíram para sua construção é essencial para compreender verdadeiramente sua identidade.