Uma pergunta ecoa no cenário literário brasileiro: onde está a rainha do escândalo? Cassandra Rios, sinônimo de polêmica e best-seller nas décadas de 1960 e 1970, hoje vive um melancólico esquecimento. Sua obra, marcada por conteúdo sexual explícito e temática lésbica, foi amplamente consumida, mas também brutalmente censurada, e nunca recuperou seu lugar após o fim da ditadura militar.
Da fama ao ostracismo: a proibição que silenciou uma voz
Nos anos de chumbo do regime militar, os livros de Cassandra Rios foram proibidos, assim como muitas outras obras consideradas subversivas. O curioso, no entanto, é o destino pós-ditadura. Enquanto diversos autores perseguidos pela censura foram reabilitados e ganharam prestígio nas prateleiras e no cânone literário, o nome de Cassandra Rios simplesmente minguou.
De autora que vendia milhares de exemplares até em bancas de revista, ela se transformou em uma quase desconhecida. O próprio escritor Walcyr Carrasco, que a conheceu pessoalmente quando tentava republicar seus livros, relata que, na prática, ninguém mais se importava com ela. Proibida pela direita durante a ditadura, foi deixada de lado pela esquerda intelectual no período de redemocratização.
Uma obra corajosa em tempos de repressão
Cassandra Rios não oferecia, em suas páginas, profundas reflexões existenciais ou um discurso politicamente radical. Seu foco era outro: o sexo, descrito de forma chamejante e sem rodeios. Em uma época de grande repressão sexual e moral, sua voz era libertária. Ela falava do desejo, do prazer e da homoafetividade feminina quando esses temas eram verdadeiros tabus.
Um de seus livros mais conhecidos, "As Traças", circulou massivamente de forma clandestina durante a ditadura. A obra narra a história de uma jovem criada em um ambiente conservador que descobre seu poder de atração sobre homens e mulheres. Este livro, como tantos outros de sua autoria, funcionava como uma válvula de escape e descoberta para uma geração ávida por narrativas que fugissem do conservadorismo.
O paradoxo do esquecimento e os sinais de redescoberta
O silenciamento pós-ditadura é um paradoxo histórico. Muitos dos adultos que, nos anos 1970, chegavam ao delírio com as descrições ousadas de Cassandra Rios, foram os mesmos que permitiram que sua obra caísse no ostracismo. Sem o apoio da intelectualidade que lutou pela reedição de outros autores censurados, seus livros deixaram de ser publicados.
O mesmo destino atingiu Adelaide Carraro, outra autora ousada e popular da época. Ambas foram vítimas de um duplo preconceito: político e moral. Contudo, nos últimos anos, um movimento de resgate tem ganhado força. Grupos LGBTQIA+ e pesquisadores têm demonstrado interesse renovado pela obra de Cassandra Rios, enxergando nela um importante documento histórico sobre desejo, liberdade e resistência cultural.
Cassandra Rios faleceu em 2002, vítima de câncer, longe dos holofotes que um dia a cercaram. Sua redescoberta é crucial não apenas pelo valor literário de seus livros, mas para entender os mecanismos da censura e os paradoxos da memória cultural brasileira. Ela levanta uma questão perene: por que o sexo, em tantas culturas, é visto como algo tão assustador a ponto de ser proibido e estigmatizado? Talvez, como sugere Carrasco, a resposta mais simples seja a mais verdadeira: é porque é bom. E, para mentes restritivas, o que é bom e prazeroso muitas vezes se transforma em algo a ser temido e controlado.