O Rio de Janeiro está ganhando novas cores e histórias através do projeto Negro Muro, que já conta com 60 murais espalhados pela região metropolitana homenageando importantes figuras negras da história do Brasil.
Arte que transforma a cidade
Idealizado pelo produtor cultural Pedro Rajão e pelo artista plástico Fernando Sawaya, conhecido como Cazé, o projeto nasceu em 2018 com um simples mural do músico nigeriano Fela Kuti no bairro do Grajaú. Desde então, a iniciativa cresceu e se transformou em um verdadeiro museu a céu aberto.
A dupla descobriu que suas habilidades se complementavam perfeitamente: enquanto Rajão se dedicava a pesquisas profundas sobre cada personalidade, consultando arquivos, familiares e especialistas, Cazé transformava essas histórias em imagens poderosas que ocupam as paredes da cidade.
Mais que decoração: reflexão e educação
Os murais do Negro Muro não surgem apenas do desejo de embelezar a cidade, mas de provocar questionamentos sobre nossa memória coletiva. Pedro Rajão destaca que o impacto visual dessas obras muitas vezes é mais eficiente que monumentos tradicionais.
"Porque, para além das 19 escolas que a gente já pintou, eu estou frequentemente em sala de aula falando sobre o Negro Muro, sobre o processo de pesquisa, sobre o conceito de memória pública e como a gente constrói essa memória social a partir de pinturas de figuras negras históricas", explica o produtor.
No Largo da Prainha, próximo à estátua da bailarina Mercedes Baptista, um impressionante mural de 21 metros de altura homenageia a escritora Conceição Evaristo, reconhecida por retratar a vida das mulheres negras e as histórias das comunidades afro-brasileiras.
Processo criativo e educacional
O trabalho por trás de cada mural é minucioso. Rajão mergulha na biografia de cada homenageado, consultando jornais antigos, arquivos, historiadores e familiares para montar um dossiê completo. Se o personagem estiver vivo, ele busca contato direto; se não, procura herdeiros ou pesquisadores especializados.
Já Cazé, que hoje trabalha com os artistas assistentes César Mendes e João Bela, transforma essa memória em imagem com traços precisos e retratos expressivos que se tornaram marca registrada do projeto.
Mas o Negro Muro vai além da pintura. Em diversas escolas, principalmente públicas, a dupla realiza debates, oficinas e imersões antes e depois da criação de cada mural. Os alunos aprendem sobre a trajetória de cada personalidade e sua importância histórica, em um processo que é ao mesmo tempo pedagógico, afetivo e político.
Diversidade de homenageados
Os murais contam histórias que atravessam diferentes áreas do conhecimento e da cultura brasileira. Entre os 60 homenageados estão:
- Lélia Gonzalez - intelectual, antropóloga e militante, primeira mulher negra do país a se dedicar sistematicamente aos estudos de raça e gênero
- Beatriz Nascimento - historiadora e ativista do movimento negro
- Prata Preta - líder da Revolta da Vacina em 1904
- Ruth de Souza - pioneira das artes cênicas brasileiras
- Selminha Sorriso - porta-bandeira da Beija-Flor
- Wilson das Neves - baterista e compositor
- Zezé Motta - atriz e cantora
Em Xerém, um mural especial reúne a "Santíssima Trindade do Samba" - Pixinguinha, Donga e João da Baiana - pintados em frente ao Instituto Zeca Pagodinho. Já no Aeroporto Tom Jobim, um dos principais portões de entrada da cidade, o baterista Wilson das Neves saúda os visitantes.
O projeto também homenageia figuras centrais da Pequena África, como Tia Lúcia e as Tias da Pequena África, mulheres negras que formaram a base cultural do Rio entre os séculos 19 e 20, fortalecendo redes de solidariedade, religiosidade, culinária e música.
Através dessas 60 obras espalhadas pela cidade, o Negro Muro cumpre um papel essencial: tornar visível aquilo que por tanto tempo foi invisibilizado, resgatando memórias e construindo novas narrativas sobre a participação negra na formação do Brasil.