
O silêncio que pousou sobre Itapetininga neste sábado carrega um peso diferente. Não é o silêncio comum dos fins de semana tranquilos, mas aquele que vem quando uma voz importante cala. Carlos Fidêncio, homem que transformou palavras em retratos vivos da nossa gente, partiu aos 85 anos.
E olha que ironia — justo ele, que tanto falou sobre a permanência das memórias. Deixa um vazio que suas próprias páginas ajudam a preencher.
Mais que escritor, contador de histórias
Carlos não era daqueles autores distantes, trancados em torres de marfim. Pelo contrário. Andava pela cidade com olhos que enxergavam poesia no cotidiano mais banal. Nos mercados, nas praças, nas conversas de boteco — era dali que tirava a matéria-prima para seus livros.
Seu jeito peculiar de escrever — meio solto, meio preso às tradições — conquistou leitores que nem imaginavam gostar de literatura. Fazia a ponte entre o erudito e o popular com uma naturalidade que só os verdadeiramente talentosos conseguem.
O legado que fica
- Memórias do Interior Paulista — talvez sua obra mais conhecida, um retrato afetivo da vida no campo e nas pequenas cidades
- Caminhos de Itapetininga — onde transformou ruas e histórias locais em narrativas universais
- O Tempo Entre Linhas — seu trabalho mais reflexivo, sobre envelhecimento e permanência
Não eram simples livros, sabe? Eram pedaços da alma da região preservados em papel. E cá entre nós — numa época onde tudo parece descartável, que presente ter esse tipo de registro.
A despedida
O velório aconteceu no próprio sábado, no Cemitério São João Batista. Familiares, amigos, admiradores — gente comum que virou personagem em suas histórias. Uma cena que, se ele estivesse escrevendo, certamente renderia algumas páginas emocionantes.
Morreu de causas naturais, como quem termina um longo e bem escrito capítulo. Deixa esposa, três filhos e aquela sensação estranha de que as melhores pessoas sempre partem cedo demais — mesmo aos 85 anos.
Itapetininga perde um filho ilustre. A literatura brasileira, uma voz singular. Mas as histórias? Ah, essas ficam. E como ficam. Nos sebos, nas bibliotecas, na memória de quem teve o privilégio de ler suas linhas cheias de vida e verdade.