
O telefone tocou cedo, trazendo aquela notícia que ninguém quer receber. Vera Ferreira partiu. Aos 78 anos, no aconchego do seu apartamento no bairro do Flamengo, ela simplesmente fechou os olhos e não os abriu mais. O coração — aquele mesmo que tanto amou o jornalismo — parou de bater na última sexta-feira.
Que mulher, minha gente. Mais de cinquenta anos dedicados às redações, às pautas, às apurações minuciosas que a tornaram referência absoluta. Começou lá atrás, nos tempos em que máquina de escrever era tecnologia de ponta, e acompanhou toda a transformação digital sem nunca perder a essência.
O jeito único de fazer jornalismo
Quem trabalhou com ela sabe: Vera tinha um método próprio. Chegava cedo, preparava seu café — sempre na mesma caneca de cerâmica — e mergulha nos textos com uma concentração que impressionava. "Ela lia cada vírgula, cada ponto final como se fosse a coisa mais importante do mundo", me contou uma colega de redação, a voz embargada.
E não era só trabalho, não. Vera tinha aquela rara combinação de rigor profissional e humanidade genuína. Lembro-me de vê-la, já numa fase mais madura da carreira, orientando os mais jovens com uma paciência de santa. "O jornalismo é sobre pessoas", repetia sempre. "Antes de ser notícia, é vida."
O legado que fica
Ah, o que essa mulher não viu passar pelas redações por onde andou! De coberturas políticas turbulentas a transformações sociais profundas, ela registrou meio século da história do Brasil com uma precisão cirúrgica. E o mais incrível? Manteve até o fim aquela curiosidade juvenil que caracteriza os grandes repórteres.
O velório aconteceu num silêncio respeitoso, com colegas de várias gerações vindo prestar suas homenagens. Vi rostos conhecidos — alguns já com cabelos brancos, outros que ela mesma ajudou a formar — todos unidos pelo mesmo sentimento de perda.
Fica a saudade, é claro. Mas fica principalmente o exemplo. Vera Ferreira mostrou que é possível fazer jornalismo com ética, com paixão e, principalmente, com alma. E num mundo cada vez mais acelerado e superficial, esse talvez seja seu maior legado.
Descanse em paz, Vera. O jornalismo brasileiro está mais pobre hoje.