Uma das obras mais importantes da literatura brasileira está prestes a ganhar vida nas telas do cinema. "Quarto de Despejo", o diário transformador de Carolina Maria de Jesus, será adaptado para as telonas em 2026, trazendo para as novas gerações a força e a resistência dessa escritora fundamental para compreender o Brasil.
Uma história de resistência e superação
Nascida em Sacramento, no Alto Paranaíba, Carolina Maria de Jesus mudou-se para São Paulo, onde enfrentou uma realidade dura como moradora da Favela do Canindé. Para sustentar seus três filhos - João José, José Carlos e Vera Eunice - trabalhou como catadora de papel, mas encontrou na escrita sua verdadeira vocação.
Entre 1955 e 1960, ela dedicou seu pouco tempo livre a registrar em cadernos encontrados no lixo o cotidiano sofrido da vida na favela. Seus escritos revelavam não apenas a fome e a miséria, mas também a indignação de quem via de perto as desigualdades brasileiras.
A descoberta do talento de Carolina aconteceu em 1958, quando o jornalista Audálio Dantas visitou a favela para uma reportagem e se deparou com seus diários. Impressionado pela força das narrativas, ele publicou trechos na Folha da Noite, despertando interesse imediato do público.
Do sucesso literário às telas do cinema
O lançamento de "Quarto de Despejo" em 1960 transformou completamente a vida de Carolina. O livro tornou-se um best-seller instantâneo, chegando a vender 3 mil exemplares por dia, e permitiu que ela comprasse uma casa de alvenaria no bairro Santana, na Zona Norte de São Paulo, deixando para trás o barraco de madeira que ela mesma construíra na favela.
Agora, 66 anos após sua primeira publicação, a obra ganhará nova vida sob a direção de Jeferson De. O filme, intitulado "Carolina - Quarto de Despejo", promete mergulhar fundo na complexidade dessa mulher à frente de seu tempo.
Jeferson De compartilhou sua empolgação com o projeto: "É no cinema onde nos aprofundamos em emoções, rimos, choramos, nos apaixonamos. É o lugar dos grandes sonhos, por isso, convido à todos para prestigiarem a obra de Carolina nos cinemas em 2026".
Elenco e produção comprometidos
No elenco, destaca-se Maria Gal como Carolina Maria de Jesus, além de Fábio Assunção e Caio Manhente em outros papéis importantes. A produção conta com roteiro de Maíra Oliveira e produção de Clélia Bessa, Move Maria, Raccord Produções e Buda Filmes, com coprodução da Globo Filmes.
Para Maria Gal, interpretar Carolina representa mais que um papel - é um reencontro com a própria ancestralidade: "Eu vejo Carolina Maria de Jesus como uma ancestral para nós, mulheres e pessoas negras. Uma dessas mulheres que, há muitos anos, rompem barreiras e pavimentam o caminho onde estamos agora".
A atriz ressalta a atualidade da mensagem de Carolina: "É urgente que o país conheça muito mais a Carolina. Onde estão esses corpos negros? A invisibilidade simbólica é tão cruel quanto a física, porque nos rouba a vontade de sonhar".
Legado que transcende gerações
Carolina Maria de Jesus enfrentou e superou obstáculos profundos como racismo, machismo e fome, abrindo portas para que outras mulheres negras pudessem existir, criar e ocupar espaços de forma plena. Sua obra permanece atemporal e também se tornará samba-enredo da Escola Unidos da Tijuca no Carnaval de 2026.
O filme busca o protagonismo negro retinto, tanto na frente quanto atrás das câmeras, criando um espaço onde corpos negros apareçam com livros nas mãos, e não armas, podendo existir de forma plena, digna e visível.
O objetivo principal do diretor é levar não apenas a potência de Carolina para os cinemas, mas também a complexidade de uma mulher apedrejada por sua própria comunidade, que a via como diferente, à frente do seu tempo e sedenta por algo que todo ser humano luta para ter: dignidade.