O Agente Secreto: anacronismo conecta caso Miguel de 2020 aos anos 70
Filme de Kleber Mendonça usa caso Miguel em trama dos anos 70

O filme 'O Agente Secreto', dirigido por Kleber Mendonça Filho e representante do Brasil na disputa pelo Oscar, utiliza um recurso narrativo ousado para conectar passado e presente. A produção, que se passa em 1977, faz referência ao caso Miguel, tragédia ocorrida em 2020 que chocou todo o país.

O trágico caso Miguel

Em junho de 2020, o Brasil parou diante da notícia da morte de Miguel Otávio Santana da Silva, de apenas 5 anos. O menino caiu do nono andar de um edifício de luxo em Recife enquanto estava sob os cuidados de Sari Corte Real, patroa de sua mãe, Mirtes Renata.

Mirtes trabalhava como empregada doméstica no local e havia saído para passear com o cachorro da patroa quando a tragédia aconteceu. De acordo com as investigações, Miguel entrou no elevador do prédio seguido por Sari, que apertou o botão da cobertura - local de onde o menino acabou caindo.

O anacronismo no filme

Em 'O Agente Secreto', Kleber Mendonça Filho utiliza o anacronismo para inserir elementos do caso Miguel em uma narrativa ambientada mais de quatro décadas antes do fato real acontecer. A citação ocorre quando o personagem de Wagner Moura, Marcelo, chega a um instituto de identificação do governo para assumir seu novo posto de trabalho.

No local, ele presencia uma confusão causada pela chegada de uma mulher rica chamada Cleide, que estava cuidando da filha de sua empregada quando a criança foi atropelada e morreu. A mãe da vítima descobre o paradeiro da ex-patroa e vai até o local gritando por justiça, causando comoção entre os funcionários.

Crítica social através do tempo

Embora o filme altere o gênero da vítima e a causa da morte, mantém a maioria dos elementos muito próximos ao caso Miguel. O uso do anacronismo serve como ferramenta para criar uma contundente crítica social, explorando o choque temporal para destacar questões estruturais que persistem na sociedade brasileira.

Kleber Mendonça Filho demonstra como certas dinâmicas sociais, especialmente as relacionadas a desigualdades de classe e relações de trabalho, transcendem décadas. A referência ao caso de 2020 em uma trama dos anos 70 reforça a permanência de problemas sociais que o país ainda não conseguiu resolver.

O filme, que já nasce como importante representante do cinema nacional internacionalmente, usa a linguagem cinematográfica não apenas para contar uma história, mas para refletir sobre injustiças que continuam atuais, independentemente da época em que são retratadas.