Aos 86 anos, ex-maquinista esculpe réplicas perfeitas de galeões em madeira no interior de SP
Aos 86 anos, ex-maquinista esculpe galeões em madeira

Quem vê aquelas mãos calejadas, marcadas pelo tempo e pelo trabalho, nem imagina que elas escondem a delicadeza de um ourives. João Batista Scatena, 86 anos, passa seus dias num pequeno quintal em Itapetininga, no interior paulista, mas a mente dele navega por oceanos distantes do século XVI.

Nada ali – absolutamente nada – indica que aquele senhor tranquilo já comandou locomotivas. Pois é. A transição foi natural, como se o balanço dos trens tivesse evoluído para o balanço das ondas. "O trem é uma paixão, mas o mar... o mar me chamou", diz ele, com um sorriso que parece guardar segredos de navegação.

Da ferrovia para o mar: uma mudança de rumo

Scatena não é um artista comum. Ele não frequentou escolas de belas-artes ou cursos de marcenaria fina. Tudo veio de um lugar mais profundo: a curiosidade. E talvez um pouco de teimosia – daquelas boas, que movem montanhas (ou, no caso, constroem navios).

As réplicas que ele produz são, na verdade, pequenas obras de engenharia naval. Cada mastro, cada vela, cada minúsculo canhão é esculpido com uma precisão que dá inveja a qualquer modelista profissional. Ele estuda planos antigos, fotografias de museus – e até desenhos em livros didáticos – para capturar a alma desses gigantes dos mares.

Madeira que vira história

Não é qualquer pedaço de madeira que vira um galeão sob as mãos de Scatena. Ele usa principalmente pinho e cedro, mas já arriscou peças em MDF e até em restos de móveis antigos. "A madeira tem vida", ele garante. "Ela fala. Às vezes, um nó no lugar errado vira um detalhe que nem eu esperava."

Seu trabalho mais recente? Uma réplica do Galeão São Martinho, navio-almirante da Invencível Armada espanhola. Levou meses. E detalhes como âncoras, escotilhas e até bandeiras foram feitos um a um – sem pressa, porque pressa, como ele mesmo diz, "é inimiga da perfeição".

Um legado que não afunda

Os filhos, os netos, os vizinhos... todos já receberam pelo menos uma de suas peças. Scatena não faz por dinheiro. Faz por amor. E talvez por isso cada barco carregue um pedaço dele – um pouco de sua história, suas memórias, sua paciência de mestre.

Perguntei se ele pretende parar. Ele ri, mexe a cabeça e responde, sem hesitar: "Parar? Só quando essas mãos não obedecerem mais". Até lá, o mar de Itapetininga seguirá recebendo novos navios – cada um com uma história para contar.