A noite de sexta-feira, 7 de novembro de 2025, marcou um momento histórico para a literatura brasileira. A escritora Ana Maria Gonçalves tomou posse oficialmente na cadeira número 33 da Academia Brasileira de Letras (ABL), tornando-se a primeira mulher negra eleita para o quadro de imortais da instituição.
Um discurso que honra a ancestralidade
A cerimônia no Rio de Janeiro começou de forma emocionante quando Ana Maria iniciou seu discurso com as palavras "Benção, mãe. Benção, pai", em uma homenagem às suas raízes e à ancestralidade. O momento foi acompanhado por palmas emocionadas do público presente.
Autora do aclamado romance histórico "Um defeito de cor", Ana Maria tornou-se a 13ª mulher a ocupar uma cadeira na instituição fundada em 1897. Em seu discurso, ela celebrou sua chegada à Casa de Machado de Assis e dedicou o momento à memória dos que vieram antes dela.
"Agradeço, por fim, à minha ancestralidade, fonte inesgotável de conforto, fé, paciência e sabedoria", declarou a nova imortal.
Histórico da cadeira 33 e o legado feminino
Ana Maria relembrou a trajetória dos ocupantes anteriores da cadeira 33, destacando o fundador Domício da Gama, jornalista e diplomata nascido em Maricá em 1862, e o linguista Evanildo Bechara, de quem herdou o posto. Sobre Bechara, ela ressaltou seu legado intelectual e o amor pela língua portuguesa.
A escritora também fez questão de resgatar a história da exclusão feminina na Academia. "A não admissão de mulheres foi inicialmente um acordo entre cavalheiros, já que não havia nada impeditivo no estatuto", lembrou, referindo-se à candidatura vetada da escritora Amélia Beviláqua em 1930.
Ana Maria citou as pioneiras que vieram depois da mudança do estatuto, entre elas Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Zélia Gattai, Ana Maria Machado, Rosiska Darcy de Oliveira, Fernanda Montenegro, Lilia Schwarcz e Miriam Leitão.
Compromisso com a diversidade e abertura
Com emoção, a nova acadêmica refletiu sobre a presença negra na ABL e a importância de ampliar as vozes dentro da instituição. "Durante muito tempo, o acadêmico Domício Proença foi o único negro na Academia Brasileira de Letras. E durante muito mais tempo ainda, a negritude de Machado lhe foi negada".
Ela reconheceu o papel fundamental das candidaturas de Conceição Evaristo e Ailton Krenak no debate sobre diversidade: "A discussão em torno da candidatura de Conceição Evaristo, em 2018, contribuiu para que eu esteja aqui hoje".
Encerrando o discurso, Ana Maria assumiu um compromisso claro: "Assumo como missão promover a diversidade nesta Casa, abrir suas portas ao público verdadeiro dono da língua e ampliar o empenho na divulgação e promoção da literatura brasileira".
Repercussão entre personalidades
A apresentação da nova imortal foi feita por Lilia Schwarcz, quinta ocupante da cadeira nº 9, eleita em 2024. A historiadora destacou o impacto de "Um defeito de cor" e fez um paralelo entre passado e presente.
A atriz Regina Casé falou sobre a importância do momento: "Foi especialmente emocionante por ser a Ana, por ser uma mulher preta. O discurso dela nos lembra o quanto demoramos para ocupar esses espaços".
Já o ator e escritor Lázaro Ramos afirmou que "Um defeito de cor" é o livro de sua vida: "Foi o livro que mais dei de presente. É o primeiro que me provocou sensações físicas".
Conceição Evaristo, ovacionada quando citada por Ana Maria no discurso, definiu a posse como uma conquista coletiva: "A conquista de Ana é uma conquista que representa todas nós, mulheres negras e escritoras. É como se estivéssemos todas dentro da Academia hoje".
O também imortal Gilberto Gil resumiu a emoção da noite: "É alegria e orgulho para a Academia. Ana Maria é uma das grandes artesãs da palavra, e sua escrita traz uma consciência profunda sobre o que é ser negro no Brasil".
Após a cerimônia, os convidados participaram de um jantar para 300 pessoas no pátio externo da Academia, com cardápio inspirado no livro "Um defeito de cor" e criado pela chef Dilma do Nascimento, conhecida como Dita.