Um tangará com uma característica incomum tem chamado a atenção de observadores de aves e biólogos na região de Jacutinga, no Sul de Minas Gerais. O fotógrafo Arnaldo Pieroni Stecca registrou um indivíduo da espécie Chiroxiphia caudata com o topete amarelo, quando o padrão normal da espécie apresenta essa mesma região na cor vermelha vibrante.
O encontro inesperado
Arnaldo, que desenvolveu o hábito de observar aves desde a infância, contou que o registro aconteceu de forma espontânea durante um de seus passeios pela mata. "Estava observando e fotografando aves em uma mata próxima da cidade quando apareceram três tangarás machos, e entre eles destacou-se um que tinha o topete amarelo, coisa que nunca tinha visto", relatou o fotógrafo.
O registro foi feito em setembro deste ano, e desde então o observador tem retornado ao local regularmente. Para sua surpresa, o pássaro com a característica diferenciada continua frequentando a mesma área. "Todas as vezes que passei pelo local após essa data, vi ele por lá", confirmou Arnaldo.
A explicação científica
Segundo o biólogo e ornitólogo Fernando Igor, alterações como essa podem ter múltiplas causas. "Como a alteração está restrita ao topete, é provável que seja falta dos pigmentos (carotenoides) responsáveis pela cor vermelha", explicou o especialista.
As possíveis causas incluem:
- Mutação genética
- Alimentação diferenciada
- Metabolismo particular da ave
Fernando Igor ressalta que apenas o acompanhamento contínuo do indivíduo poderá determinar a causa exata da variação. "Para saber exatamente o que causou, é preciso acompanhar esse indivíduo ao longo do tempo e ver se a coloração se mantém. Mantendo a coloração, certamente é uma mutação", completou o biólogo.
Impacto no comportamento e reprodução
Os tangarás pertencem à família dos piprídeos, conhecidos por seus rituais elaborados de acasalamento. Os machos usam cores vibrantes e danças complexas para atrair as fêmeas em locais específicos chamados leks.
"As cores têm grande influência na reprodução, combinadas com as danças no lek, o que pode sim interferir", afirmou Fernando Igor sobre o possível impacto da coloração diferente no sucesso reprodutivo do indivíduo.
No entanto, o biólogo não acredita que a mudança de cor torne a ave mais vulnerável a predadores, já que "o padrão de cores dos machos já é exuberante" naturalmente.
Importância científica do registro
Casos como este vão além da simples curiosidade e podem ter implicações significativas para a compreensão dos processos evolutivos. Fernando Igor citou um exemplo revelador: "O tangará-príncipe (Chiroxiphia pareola) tem a cabeça vermelha, mas em uma região da Amazônia apresenta topete amarelo. Essa população passou ao status de espécie plena: o tangará-de-coroa-amarela (Chiroxiphia regina)".
O biólogo levanta uma questão intrigante: "Quem sabe a origem dessa espécie não se iniciou com uma mutação assim?"
Nessa perspectiva, registros como o feito em Jacutinga ajudam a revelar processos que podem ir desde simples variações individuais até passos iniciais de uma possível especiação. "Todos os registros de mutações e variações são extremamente importantes para a compreensão de padrões, alterações ambientais e surgimento de novas espécies", reforçou o especialista.
Valor para a região e observação de aves
Para Arnaldo Pieroni, o encontro com o tangará diferenciado tem um significado especial e representa uma oportunidade para divulgar a riqueza natural de Jacutinga. "Espero que a documentação dessa ave diferenciada possa ajudar na divulgação da observação de aves no município de Jacutinga, que já conta com 339 espécies registradas no Wikiaves", afirmou o fotógrafo.
Jacutinga já se destaca como um importante destino para observadores de aves, e descobertas como esta reforçam o potencial da região para o ecoturismo e a pesquisa científica. Arnaldo, que acompanha aves desde 2010 e participou recentemente do livro "Aves e Outros Encantos da Mantiqueira", acredita que "olhar atento faz diferença" na descoberta de fenômenos naturais extraordinários.