Uma divergência sobre o número de ararinhas-azuis infectadas por um vírus potencialmente fatal mobiliza autoridades ambientais e um criadouro na Bahia. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) informou que 31 aves da espécie ameaçada estão infectadas com circovírus. No entanto, o Criadouro Ararinha-azul, localizado em Curaçá, no norte do estado, contesta os números oficiais e afirma que apenas 5 aves apresentaram detecção do vírus em ao menos um exame.
O vírus e o risco para a conservação
O circovírus é o agente causador da Doença do Bico e das Penas dos Psitacídeos (PBFD), uma enfermidade grave e sem cura que, na maior parte dos casos, leva à morte da ave. Os sintomas incluem alterações na coloração e formato das penas, falhas no crescimento das penas e deformidades no bico. Embora não infecte humanos ou aves de produção, o vírus representa uma ameaça enorme para psitacídeos silvestres.
Segundo o ICMBio, o Criadouro Ararinha-azul mantém 103 ararinhas-azuis. A instituição ambiental afirma que, das 11 aves que viviam soltas na área do criadouro e foram diagnosticadas, outras 20 aves de cativeiro da mesma espécie também estão infectadas, totalizando 31. Já o criadouro sustenta que, das 103 aves sob seus cuidados, 98 têm exames negativos para o vírus e apenas 5 apresentaram detecção em ao menos um teste.
A médica veterinária Ianei Carneiro alerta para o alto risco de contágio. "Como o circovírus é muito contagioso, existe a possibilidade de, não só acabar com a população de ararinhas-azuis, como também colocar em risco outras espécies da região", disse. Ela defende que os animais positivos sejam recolhidos imediatamente e que haja uma rigorosa higienização de todos os utensílios.
Suspensão do programa de reintrodução e multas milionárias
O surto levou à suspensão de uma etapa crucial para a salvação da espécie. A soltura de um novo grupo de ararinhas-azuis, que estava prevista para julho de 2024, foi cancelada. O programa de reintrodução só será retomado quando a situação sanitária estiver controlada. Em 2022, um grupo de ararinhas do programa havia sido solto em Curaçá, a terra natal da espécie.
O ICMBio instaurou um Sistema de Comando de Incidente para gerenciar a emergência. Após vistorias técnicas em parceria com o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e a Polícia Federal, o órgão constatou que os protocolos de biossegurança não estavam sendo seguidos adequadamente pelo criadouro.
Entre as irregularidades encontradas, estavam a falta de limpeza e desinfecção diária, com comedouros para aves de vida livre extremamente sujos e com acúmulo de fezes, e a ausência do uso correto de equipamentos de proteção individual pelos funcionários durante o manejo. Como consequência, o Criadouro Ararinha-azul foi multado em aproximadamente R$ 1,8 milhão pelo ICMBio e em cerca de R$ 300 mil pelo Inema.
A defesa do criadouro e a complexidade do caso
Em nota, o Criadouro Ararinha-azul rejeitou com "veemência" as acusações de negligência e desleixo. A instituição, que é parceira da organização alemã ACTP (Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados), afirma seguir protocolos rígidos de biossegurança e bem-estar animal, mantendo uma equipe de profissionais qualificados trabalhando 24 horas por dia.
O criadouro argumenta que houve divergência entre os resultados de exames laboratoriais realizados com metodologias diferentes. Enquanto testes convencionais, inclusive do governo, apontariam 3 aves positivas, outro tipo de teste detectou o vírus nas 11 araras recapturadas. A direção do criadouro afirma que as 5 aves com detecção estão isoladas, sem contato com outras, e que as duas maracanãs (outra espécie de psitacídeo) no local testaram negativo.
A instituição também destacou que a primeira ave detectada com o vírus estava solta na natureza e que o circovírus já é registrado no Brasil há cerca de 30 anos. Eles criticam a postura do Estado, afirmando que, "em vez de atuar em cooperação para enfrentar um problema sanitário (...), prefere transferir a culpa e buscar punições". O criadouro informou que pediu acesso ao processo e uma reunião técnica para reavaliar os exames.
A coordenadora do ICMBio à frente da emergência, Cláudia Sacramento, comentou sobre as consequências da falha nos protocolos. "Se as medidas de biossegurança tivessem sido atendidas com o rigor necessário (...), talvez a gente não tivesse saído de apenas um animal positivo para 11 indivíduos positivos", relatou. O próximo passo definido pelo instituto é a separação segura entre animais positivos e negativos para incorporar medidas de biossegurança à rotina de manejo.