Um movimento científico está tentando mudar a forma como a sociedade enxerga e trata bilhões de animais marinhos. Nesta terça-feira, 2 de dezembro de 2025, biólogos da organização não governamental Alianima lançam a "Declaração de Senciência em Crustáceos". O documento tem um objetivo claro: reconhecer formalmente que camarões, lagostas e seus parentes são seres sencientes, capazes de sentir dor e sofrimento.
Animais invisíveis na cadeia alimentar
Enquanto são adorados nos pratos da gastronomia mundial, os crustáceos permanecem praticamente invisíveis quando o assunto é ética e bem-estar animal. Eles não contam com qualquer tipo de proteção legislativa específica e raramente são alvo de debates sobre sofrimento. Um dos motivos para essa falta de empatia, segundo especialistas, é a ausência de uma "carinha fofa" ou de expressões faciais que os humanos associam facilmente ao incômodo.
Essa percepção, no entanto, está em desacordo com as descobertas da ciência. A declaração lançada pela Alianima reúne evidências robustas de diversas áreas do conhecimento. Estudos neuroanatômicos, comportamentais e farmacológicos indicam que esses animais possuem sistemas complexos que os permitem experimentar sensações dolorosas. Além disso, demonstram capacidades cognitivas surpreendentes, como distinguir cores e formas, tomar decisões e aprender com experiências negativas.
A dor invisível: do aquário ao prato
A prática culinária comum de colocar crustáceos vivos diretamente em água fervente é um dos focos da preocupação dos biólogos. Apesar de silenciosa e pouco compreendida, a agonia desses animais é real, conforme comprovam pesquisas. A principal pesquisa que embasa o movimento é de 2010, conduzida pelo biólogo Bob Elwood, da Universidade Queen's, na Irlanda do Norte.
Em um experimento revelador, caranguejos que recebiam choques elétricos em uma área escura de um aquário aprenderam a evitar aquele local. "Eles aprendem a evitar situações prejudiciais e dolorosas. Ajustam o comportamento. Não podemos ignorar isso", afirma Carolina Maia, bióloga com pós-doutorado em aquicultura e especialista em peixes na Alianima. Esse comportamento de fuga e aprendizado é um forte indicativo de senciência.
Um passo para a mudança na indústria bilionária
O reconhecimento da senciência é considerado o primeiro e fundamental passo para uma transformação prática. A escala do desafio é colossal: cerca de 440 bilhões de camarões são produzidos em fazendas aquáticas todos os anos ao redor do mundo para abastecer supermercados e peixarias. A declaração não é apenas um apelo moral, mas uma ferramenta para pressionar por mudanças concretas nas etapas de captura, transporte e abate, buscando métodos mais humanitários.
Esta iniciativa dá continuidade a um trabalho anterior da ONG, que em 2023 lançou a Declaração de Senciência em Peixes. Agora, ao voltar os holofotes para os crustáceos, os pesquisadores esperam incluir esses seres no círculo de consideração ética. O caminho é longo, pois envolve mudar leis, práticas industriais e, principalmente, a percepção do consumidor. Mas para a ciência, a mensagem é clara: a dor não deixa de existir só porque não é facilmente percebida por quem está do lado de fora do aquário – ou da panela.