Um momento impressionante e raro da vida selvagem brasileira foi capturado pelas lentes da observadora de aves e fotógrafa Jéssica Campos, no interior de São Paulo. Durante uma sessão de passarinhada na cidade de Tapiraí, ela registrou o instante preciso em que um acauã (Herpetotheres cachinnans) predou uma cobra coral-verdadeira (Micrurus corallinus).
O flagrante da predação na Trilha dos Tucanos
A cena ocorreu em uma tradicional pousada de observação de aves da cidade. Jéssica acompanhava um acauã pousado tranquilamente em uma árvore, quando o comportamento da ave mudou subitamente. O acauã partiu em voo e retornou ao seu poleiro com uma serpente coral-verdadeira firmemente presa em suas garras.
“Eu já estava observando o acauã descansando, provavelmente à espera de uma presa. Acompanhei alguns voos e, quando ele voltou para a árvore, estava com a cobra entre as garras”, relatou a fotógrafa. Para ela, presenciar tal evento foi um privilégio. “É uma mistura de fascínio e respeito. Cada espécie cumpre um papel essencial e esses comportamentos, por mais duros que pareçam, mantêm o equilíbrio do ecossistema”, completou Jéssica Campos.
O predador especializado em serpentes
O acauã é uma ave de rapina famosa por sua dieta composta principalmente de cobras, inclusive as peçonhentas. Segundo o herpetólogo Will Pessoa, essa especialização exige adaptações únicas. Essas aves possuem um comportamento de ‘sentar e esperar’, observando atentamente até o momento ideal para o ataque.
“O bote é sempre certeiro no pescoço para evitar a defesa da serpente, seja ela venenosa ou não. Suas garras são longas e muito afiadas, feitas para segurar o animal firmemente”, explicou o especialista. Após a captura, é comum que o acauã leve a presa para um local mais alto e seguro, como um galho, para consumi-la sem riscos.
Identificação da presa: uma coral-verdadeira
A serpente capturada foi identificada como uma coral-verdadeira, uma das espécies mais conhecidas devido aos seus vibrantes anéis vermelhos, pretos e brancos. Apesar da fama, distinguir a coral-verdadeira da falsa-coral é um desafio até para olhos mais treinados.
Will Pessoa analisou a imagem registrada por Jéssica e confirmou a identificação com base em características específicas. “Primeiro, a proporção da cauda: é mais curta. A falsa-coral costuma ter a cauda mais longa. Além disso, o padrão da cauda preta com dois anéis brancos é bem comum na espécie verdadeira”, detalhou o herpetólogo.
As cores vivas da coral-verdadeira, que dificultam sua camuflagem, são paradoxalmente um ponto positivo para os humanos, pois reduzem os acidentes. No entanto, seu veneno é considerado um dos mais ativos e perigosos para o ser humano, tornando a correta identificação uma questão de segurança.
O registro serve como um poderoso lembrete da complexidade e do equilíbrio dos ecossistemas brasileiros, onde cada interação, por mais selvagem que pareça, tem um papel fundamental na teia da vida.