
Era mais um dia comum varrendo ruas no centro de Belo Horizonte quando o inesperado explodiu como um pesadelo. O gari — que prefere não se identificar — lembra cada segundo com uma clareza que dói. "A gente tava fazendo nosso serviço, de boa, quando ouvi os tiros", conta, a voz ainda trêmula.
Não eram fogos. Não era brincadeira. O barulho seco do metal contra metal ecoou na rua quase deserta daquela manhã de segunda-feira. "Virou um filme de terror", desabafa.
O momento que congelou
Entre vassouras e sacos de lixo, a cena se desenrolou rápido demais. Dois homens — um perseguindo o outro — e então... pá! O som que ele nunca mais vai esquecer. "O cara caiu na nossa frente, sangrando. Aí o outro veio na direção da gente."
O que você faria? Correria? Congelaria? Ele fez algo que nem ele mesmo esperava: olhou nos olhos do atirador e perguntou, simples assim: "Vai matar a gente trabalhando?".
Silêncio. O mundo parou. Até que o homem armado apenas virou as costas e desapareceu na esquina. "Ficamos ali, parados, sem saber se iam voltar."
Depois do horror
A polícia chegou, claro. Fotos, perguntas, aquele ritual conhecido dos noticiários. Mas o que fica é o absurdo do cotidiano interrompido. "A gente limpa a cidade, e a cidade nos devolve isso", reflete o gari, enquanto acende um cigarro com mãos que ainda tremem um pouco.
Os colegas agora trabalham em duplas — medida paliativa que não apaga o medo. "Todo mundo anda cabisbaixo, olhando pros lados." E a pergunta que não quer calar: Por que justo ali? Por que na frente da gente? Perguntas sem respostas numa cidade que insiste em ensinar lições duras demais.