Relato detalhado revela assédio dentro de delegacia
Uma inspetora da Polícia Civil do Rio Grande do Sul decidiu romper o silêncio e relatar publicamente o assédio sexual que afirma ter sofrido por parte de seu então chefe, o delegado Antônio Carlos Ractz Júnior. O caso ocorreu no Litoral Norte gaúcho e gerou um processo interno que culminou no indiciamento do delegado.
Dois episódios de assédio relatados
De acordo com o depoimento da policial de 40 anos, o primeiro incidente aconteceu em fevereiro de 2024, apenas em seu segundo dia de trabalho na região. O delegado teria solicitado uma reunião para se conhecerem, mas enviou como local de encontro a sua própria residência em Imbé.
"Pra mim, aquele local era ou a delegacia de Imbé ou uma cafeteria. Segunda, bem cedo, eu perguntei: 'Delegado, que endereço é esse? Onde eu tenho que passar?'. Ele disse: 'é a minha casa'. Aí eu disse sendo a sua casa não vou passar, não acho de bom tom", contou a inspetora em entrevista.
O segundo episódio, mais grave, teria ocorrido em julho de 2024 na Delegacia de Polícia de Cidreira. Por volta das 13 horas, o delegado a chamou em seu gabinete e, conforme seu relato, a puxou pelo braço e insistiu para que ela lhe desse um beijo.
"Ele estava em pé próximo a mim e me puxou pelo braço. Aí: 'vem aqui me dar um beijo'. Aí, eu fui pra trás e disse: 'Como assim, delegado?'. 'É só um beijinho, só um beijinho'. E me puxou de novo", descreveu a vítima.
Consequências psicológicas e administrativas
Após os episódios, a policial buscou ajuda médica e registrou ocorrência na Corregedoria. O relatório final da 3ª Delegacia de Polícia para Assuntos Internos foi concluído em 22 de agosto de 2025 e permaneceu sob segredo de justiça até novembro, quando a RBS TV obteve acesso ao documento.
A inspetora revelou que precisou de acompanhamento psicológico e psiquiátrico: "Fui no psiquiatra porque estava muito abalada. Fiquei 15 dias de atestado. Iniciei tratamento com a psicóloga da Polícia Civil também. Hoje, faço uso de medicamento, faço terapia".
Como consequência do caso, ambos foram transferidos: ela saiu do Litoral Norte para a Região Metropolitana, enquanto Ractz foi deslocado para o Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc) em Porto Alegre.
Transação penal gera polêmica
O caso tomou novos rumos quando o Ministério Público ofereceu uma proposta de transação penal para encerrar o processo. Inicialmente, o valor sugerido foi de apenas um salário mínimo (R$ 1,5 mil), sendo posteriormente reajustado para R$ 5 mil após a promotoria de Tramandaí avaliar a remuneração do delegado.
O UGEIRM - Sindicato dos Policiais Civis, que prestou apoio jurídico à vítima, criticou veementemente os valores. "É o único caso que chegou, que é muito difícil tu provar assédio na polícia, e aí chega no Ministério Público e oferece uma transação penal de R$ 1,5 mil? Então, a dignidade de uma mulher vale R$ 1,5 mil?", questionou Neiva Carla Leite, diretora do sindicato.
Defesa do delegado e posicionamentos
O delegado Ractz nega todas as acusações através de seu novo advogado, Leonel Carivali, que assumiu a defesa após a renúncia da anterior, Thaís Constantin. A defesa alega que "a vítima traz relato inverídico e distorcido, agregado de uma gravação fora de contexto e editada em partes".
O chefe de polícia, Heraldo Chaves Guerreiro, afirmou que a instituição agiu com celeridade e encaminhou o caso ao Judiciário, mas reconheceu que não houve sanção administrativa interna sobre o ocorrido.
O Ministério Público justificou a transação penal como uma obrigação legal nos casos em que os requisitos são preenchidos, mas não se manifestou sobre os valores específicos oferecidos.
O caso continua em andamento e aguarda decisão judicial definitiva, enquanto levanta importantes discussões sobre o assédio sexual no ambiente policial e a adequação das penalidades aplicadas.