Assédio sexual é problema estrutural na Polícia Civil gaúcha
Uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia (UGEIRM) revela um cenário alarmante de assédio sexual dentro da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. O estudo, que ouviu 893 policiais, mostra que uma em cada cinco servidoras já foi vítima de investidas ou comportamentos sexuais indesejados no ambiente de trabalho.
Números que preocupam
Do total de policiais que participaram da pesquisa, 22,5% (200 profissionais) declararam ter sofrido assédio sexual dentro da corporação. Entre essas vítimas, a esmagadora maioria - 96,5% - são mulheres. Os dados foram coletados entre julho e agosto de 2025 e consolidados no final de outubro.
O perfil dos agressores é especialmente preocupante: em 60,5% das situações, o autor seria um superior hierárquico ou colega mais antigo. Isso demonstra um abuso de poder dentro da estrutura policial.
A pesquisa aponta ainda que 43% das policiais relataram ter sido assediadas mais de quatro vezes ao longo de sua trajetória na instituição. A maioria dos episódios (69%) ocorreu durante ou logo após o estágio probatório, período de maior vulnerabilidade para os servidores, que ainda não possuem estabilidade funcional.
Um caso emblemático
A pesquisa do sindicato foi iniciada após um caso concreto que ganhou repercussão interna. Uma policial civil relatou ter sido vítima de assédio sexual pelo delegado Antônio Carlos Ractz, no litoral do RS. O caso foi parar na 3ª Delegacia de Polícia para Assuntos Internos em agosto, mas permaneceu sob sigilo até novembro.
Segundo o relato da inspetora, o assédio começou em seu segundo dia de trabalho na Polícia Civil, em fevereiro de 2024, quando foi designada para atuar no Litoral Norte. O delegado teria pedido que ela se reunisse com ele para se conhecerem, mas o endereço enviado era sua residência particular.
"Ele me mandou uma localização em Imbé e disse: 'passa aqui na segunda-feira para nos conhecermos'. Pra mim, aquele local era ou a delegacia de Imbé ou uma cafeteria. Segunda, bem cedo, eu perguntei: 'delegado, que endereço é esse? Onde eu tenho que passar?'. Ele disse: 'é a minha casa'. Aí eu disse 'sendo a sua casa, não vou passar, não acho de bom tom'. Ele não gostou daquela minha resposta", contou a policial.
Um segundo episódio teria ocorrido em julho de 2024, quando o delegado a chamou em seu gabinete na Delegacia de Polícia de Cidreira. "Era uma da tarde mais ou menos, 13 horas. Eu estava em Cidreira. Ele me chamou de dentro do gabinete. Entrei e disse: 'Pois não, delegado'. E ele estava em pé próximo a mim e me puxou pelo braço. Aí: 'vem aqui me dar um beijo'. Aí, eu fui pra trás e disse: 'Como assim, delegado?'. 'É só um beijinho, só um beijinho'. E me puxou de novo", relatou a vítima.
Falta de canal de denúncia
A diretora do sindicato, Neiva Carla Back, afirma que é necessária a criação de uma ouvidoria específica para combater casos de assédio. "A Polícia Civil não tem nenhum tipo de campanha para combater o assédio, quando a gente sabe que o assédio está em todas as unidades policiais do Estado. A gente quer uma ouvidoria pra ter um canal para tratar esses casos", defende a representante.
Após o caso envolvendo o delegado Ractz, a policial procurou a Corregedoria e registrou ocorrência. Ela foi transferida do Litoral Norte para a Região Metropolitana a pedido, para não trabalhar no mesmo ambiente que o suposto agressor. O delegado também foi removido da delegacia de Cidreira e passou a atuar no Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), em Porto Alegre.
A Chefia de Polícia do RS se manifestou através de nota oficial, informando que "não compactua com qualquer forma de assédio e reafirma seu compromisso permanente de prevenir, apurar e combater essa prática em todas as suas instâncias". No entanto, a instituição afirmou que só vai se pronunciar publicamente após receber o estudo completo do sindicato, o que ainda não ocorreu.
Enquanto isso, o sindicato já criou uma cartilha educativa para orientar as vítimas e combater novos casos de assédio sexual dentro da corporação policial gaúcha.