‘Ele destruiu meus sonhos de ter uma família’: Vítima de violência doméstica revela como rede de apoio salvou sua vida
Vítima relata superação após violência doméstica em Campinas

Ela preferia não dizer o nome. Tinha medo, claro – quem não teria depois de tudo? Mas os olhos vermelhos de tanto chorar contavam mais que qualquer biografia. "Ele não só bateu. Destruiu minha autoestima, meus planos, a vontade de viver", solta, entre um gole de café frio que já estava na mesa há duas horas.

Campinas, interior de São Paulo. Uma terça-feira qualquer de agosto, mas que pra ela significava o primeiro aniversário de liberdade. Um ano desde a última vez que precisou esconder hematomas com maquiagem grossa antes do trabalho.

O pesadelo que virou rotina

Começou com ciúmes. Daqueles bobos, de novela das sete. Mas em seis meses, o "amor" tinha gosto de sangue na boca. "Ele dizia que eu não servia pra ser mãe. Que ia estragar qualquer filho." A voz dela treme, mas não quebra. Não mais.

O que salvou? Difícil apontar um só fator:

  • A vizinha que ouvia os gritos e não fingia surdez
  • A psicóloga do CRAM que a recebeu sem julgamento
  • A colega de trabalho que emprestou o celular pra denúncia anônima

Pequenos gestos que, juntos, viraram corda salva-vidas. "Quando você tá lá no fundo, até um poste parece escada", filosofa, com um sorriso cansado mas genuíno.

Números que doem

Enquanto isso, na delegacia da mulher mais próxima, a fila não diminui. Só em 2025, Campinas registrou 1.237 boletins de ocorrência por violência doméstica – e esses são só os casos que chegaram ao papel. A realidade? Bem mais cruel.

"A gente fala muito em denunciar, mas e depois?" questiona a assistente social Maria Lúcia, que pediu pra não ter sobrenome divulgado. O sistema engasga com a demanda: faltam abrigos, terapia gratuita, emprego pra quem foge.

Recomeçar aos pedaços

Ela mostra fotos no celular. Uma plantinha em um vaso minúsculo. "Minha primeira conquista sozinha." Parece pouco? Não quando você passou anos ouvindo que era incapaz até de regar uma samambaia.

Agora, sonha alto de novo: quer adotar. Sozinha, se precisar. "Vou ser a mãe que nunca tive", promete, enquanto arruma a blusa que cobre marcas menos visíveis.

No bolso, o cartão amassado do disque-denúncia 180. Just in case.