Feminicídio em Hortolândia: 12 mortes na região de Campinas em 2025 superam ano anterior
Feminicídios em Campinas: 12 casos em 2025 já superam 2024

A violência contra as mulheres escreveu mais um capítulo trágico na região de Campinas. Rayana Raissa Albuquerque de Matos, de apenas 21 anos, foi morta com um tiro no rosto, desferido pelo próprio companheiro, dentro de casa, em Hortolândia, no interior de São Paulo. A bala atingiu a têmpora direita da jovem, onde ficou alojada. Este caso não é isolado: ele integra uma estatística assustadora que já superou o total de feminicídios de todo o ano de 2024 em menos de 11 meses.

O alarmante cenário da violência na região

Um levantamento nas 31 cidades da área de cobertura do g1 Campinas revela um dado estarrecedor: 12 mulheres foram vítimas de feminicídio desde outubro de 2025, o que representa, em média, um caso por semana. Até esta terça-feira (16), o número total de ocorrências no ano já chegava a 24, ultrapassando as 22 registradas em todo o ano de 2024.

As vítimas têm idades que variam de 15 a 74 anos, mostrando que a violência não poupa nenhuma faixa etária. Em pelo menos 14 dos casos, os assassinatos ocorreram dentro da própria casa das vítimas, espaço que deveria ser de proteção, mas que se tornou cenário do crime.

A cidade de Campinas concentra o maior número de vítimas, com 8 mortes. Outros municípios da região também aparecem com números significativos: Mogi Guaçu (5), Hortolândia (4), Americana, Artur Nogueira, Indaiatuba, Itapira, Monte Mor, Paulínia e Serra Negra, cada um com 1 caso registrado.

Especialista analisa as causas do aumento

Para a advogada criminalista, doutoranda em ciências sociais pela Unicamp e ex-delegada, Erika Chioca Furlan, não há uma explicação única e simples para o crescimento dos casos, especialmente no último trimestre do ano. Ela, no entanto, destaca fatores que criam uma "bomba perfeita".

"É uma época de muito estresse financeiro e familiar, em que se vende muito a felicidade de uma família perfeita", afirma a especialista. Erika explica que teorias nas ciências sociais apontam que o aumento da violência pode surgir como uma resposta de parte do público masculino aos avanços nos direitos e na igualdade de gênero.

Aliado a isso, o consumo de conteúdo misógino e de ódio contra mulheres nas redes sociais atua como um combustível perigoso. "A grosso modo, quanto mais direitos e garantias, mais violência", analisa. Segundo ela, o progresso conquistado pelas mulheres ao longo de décadas de luta incomoda uma parcela da população masculina, que se vê desafiada em um modelo tradicional de relacionamento.

"Antigamente, a mulher estava apenas em espaços privados e acabava, em razão de uma submissão forçada, aceitando o relacionamento que havia. Hoje, depois de muita luta e libertação, as mulheres têm escolhas, e muitas delas escolhem não mais aceitar as microviolências diárias, colocando fim em relacionamentos abusivos e tóxicos", ressalta Erika.

O que pode ser feito para combater a tragédia?

A especialista é enfática ao afirmar que não existe milagre ou solução imediata. Para ela, o caminho é o trabalho árduo e constante de conscientização, que deve começar na infância e seguir pela adolescência e vida adulta, focando especialmente na educação masculina.

"Veja que não adiantou em nada o aumento da pena para o feminicídio, a criação de um pacote antifeminicídio, porque o problema não está na punição. Se precisar punir, o Estado já falhou", argumenta. O cerne da questão, segundo sua análise, está na prevenção, algo extremamente difícil em uma sociedade onde o machismo é estrutural.

Erika Chioca Furlan defende que um movimento crucial seria conter a disseminação e o consumo de conteúdos misóginos por homens, além de pressionar para que grupos de mensagens e redes sociais não sejam usados para veicular materiais que retratem a mulher como objeto. Ela também relaciona a ascensão de discursos de extrema direita ao aumento da insegurança, por disseminarem uma visão que "praticamente autorizou colocar a mulher no seu lugar".

A mensagem final da especialista é de resistência: "Quanto mais violência, mais enfrentamento, mais luta. Não vão conseguir nos calar ou mudar o percurso da história para o progresso e a real libertação das mulheres." Enquanto isso, famílias como a de Rayana Raissa choram a perda precoce de uma jovem de 21 anos, cuja vida foi interrompida pela violência doméstica.