
Quem vê hoje os pequenos progressos não imagina o inferno que essa menina de apenas seis anos viveu. Passado exatamente um mês desde aquele dia de resgate que chocou a cidade de Salto, no interior paulista, os sinais de recuperação começam a aparecer — e são, digamos, como raios de sol após uma tempestade terrível.
A delegada Marília Pierami, da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Itu, não esconde certa emoção ao falar do caso. "A evolução é nítida", confidencia ela, com aquela voz mista de profissional experiente e ser humano tocado. "A gente percebe que ela está se soltando mais, começando a interagir, a demonstrar curiosidade pelo mundo à sua volta."
Da escuridão para a luz
O que essa criança suportou nas mãos de quem deveria protegê-la é daquelas coisas que a gente nem quer acreditar que acontecem por aqui. Mantida em cárcere privado — sim, pelos próprios pais — em uma casa na Rua Antônio Pires, a pequena vivia isolada do mundo. Sem escola, sem amigos, sem infância.
O resgate, em setembro, revelou uma situação que até a polícia, acostumada a ver coisas ruins, considerou "extremamente grave". A menina apresentava marcas visíveis de negligência: magreza excessiva, dificuldades motoras e, o mais doloroso, um medo palpável de tudo e todos.
Os primeiros passos de uma longa jornada
Mas eis que a resiliência humana — especialmente a infantil — nos surpreende. Um mês depois, sob os cuidados de uma família substituta (que merece todos os aplausos do mundo), a transformação começou.
- Interação social: Já consegue brincar com outras crianças, algo impensável há algumas semanas
- Desenvolvimento motor: Está recuperando movimentos, ganhando confiança no próprio corpo
- Curiosidade: Começa a explorar o ambiente, a fazer perguntas, a ser criança
"Ela está avançando, se desenvolvendo, se redescobrindo como criança", reflete a delegada Pierami, com aquela satisfação misturada com a consciência de que ainda há um longo caminho pela frente.
O processo judicial segue seu curso
Enquanto a menina reconquista sua infância pedacinho por pedacinho, a Justiça trabalha. Os pais — se é que merecem esse título — responderão por cárcere privado e maus-tratos. Estão presos preventivamente, diga-se de passagem.
O caso está nas mãos do Gaec (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de Sorocaba, que assumiu as investigações. A promotora Camila Guedes, do Ministério Público de São Paulo, acompanha cada detalhe com atenção redobrada.
É curioso como a vida prega peças. Enquanto a pequena descobre o que é ser feliz, quem a condenou ao sofrimento agora experimenta o gosto amargo do isolamento — ainda que por motivos bem diferentes.
O que o futuro reserva? Difícil dizer. Mas uma coisa é certa: essa guerreirinha de seis anos já provou que tem uma força interior que muitos adultos gostariam de ter. E cada sorriso seu, cada nova descoberta, é uma vitória não só dela, mas de todos que acreditam que toda criança merece uma chance de ser feliz.