Volkswagen é processada por 4 vítimas de trabalho escravo na ditadura
Vítimas de trabalho escravo na VW processam por reparação

Quatro trabalhadores, submetidos a condições análogas à escravidão durante o regime civil-militar, em uma propriedade da Volkswagen do Brasil no Pará, entraram com ações individuais na Justiça exigindo reparação pelos danos sofridos. Cada um dos autores pleiteia R$ 1 milhão por danos morais e mais R$ 1 milhão por danos existenciais, valores calculados com base no porte econômico da montadora, na gravidade dos prejuízos e no simbolismo social do caso.

O peso de uma condenação milionária e o recurso da empresa

As ações individuais sucedem um processo coletivo movido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que já resultou em uma condenação da Volkswagen em agosto deste ano. Na ação pública, o MPT pede R$ 165 milhões por danos morais coletivos, além de retratação pública e a criação de protocolos e canais de denúncia para evitar novos casos. A empresa, no entanto, recorreu da decisão.

O cenário das violações foi a Fazenda Vale do Rio Cristalino, em Santana do Araguaia (PA), uma propriedade de cerca de 140 mil hectares – área equivalente à cidade de São Paulo – pertencente a uma subsidiária da Volkswagen, a Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária Comércio e Indústria (CVRC). A propriedade, que funcionou entre 1974 e 1986, recebeu incentivos fiscais e recursos públicos para a criação de gado, conforme destacou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

A "face empresarial da ditadura" e a tentativa de naturalizar a servidão

O advogado José Vargas, do Coletivo Veredas, que atua na defesa das vítimas, afirma que o caso expõe "a face empresarial da ditadura". Ele revela que, no processo do MPT, a defesa da Volkswagen tentou argumentar que as restrições impostas aos trabalhadores eram uma prática comum da época, buscando assim naturalizar a situação. "Houve uma tentativa de naturalizar a servidão por dívida", ressaltou Vargas em entrevista.

Além da exploração, a montadora teria fomentado na comunidade local uma aversão às próprias vítimas, que passaram a ser vistas como obstáculos ao desenvolvimento apoiado pelo regime. "É inconteste que a empresa lucrou em cima da exploração", afirma o advogado, que classifica o caso como uma "dívida histórica" que vai além da esfera trabalhista.

O relato de uma fuga forjada sob ameaça de armas

Um dos trabalhadores que moveu a ação, identificado como Isaías*, tinha cerca de 15 anos quando foi aliciado com amigos no Mato Grosso por um "gato" – intermediário do trabalho escravo. Prometendo bom salário para serviços de desmatamento e formação de pastos no Pará, o grupo viu a promessa se transformar em um cativeiro de cerca de três meses.

Eles viviam em barracas precárias, sem condições de higiene ou alimentação adequada, e começaram a trabalhar já endividados com os custos da viagem. A vigilância era constante e ostensiva. "Eram muitos pistoleiros. Todos armados. Não tinha ninguém sem arma, não", conta Isaías, explicando o medo que impedia a fuga.

A saída veio de uma artimanha irônica: em plena ditadura, inventaram que precisavam se apresentar para o alistamento militar obrigatório. "Eles ficaram, acho, com medo [de serem punidos] e aí nos liberaram", relata. Mesmo livres, deixaram a fazenda sem dinheiro, dependendo de caronas em caminhões e da ajuda da Comissão Pastoral da Terra (CPT) para voltar para casa. "Foi muito difícil. Nossa sorte foi que saímos com vida", resume.

A Volkswagen do Brasil, procurada, afirmou que "seguirá em busca de segurança jurídica no Judiciário Brasileiro" e reafirmou seu "compromisso inabalável com a responsabilidade social", destacando seu legado de 72 anos e a defesa dos princípios da dignidade humana.

*Nome alterado para preservar a identidade da vítima.